terça-feira, 16 de março de 2010

MANIFESTO PELA ERRADICAÇÃO DO DECRETO QUE PROÍBE EVENTOS DE QUALQUER NATUREZA NA PRAÇA DA ESTAÇÃO

“A praça! A praça é do povo como o céu é do condor. É o antro onde a liberdade cria águias em seu calor!” – Castro Alves

No dia 09 de dezembro de 2009 o prefeito de Belo Horizonte assinou o decreto nº 13.978, que proíbe “a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação” com a desculpa de uma suposta “dificuldade em limitar o número de pessoas e garantir a segurança pública decorrente da concentração e, ainda, a depredação do patrimônio público”. O decreto passou a vigorar a 1º de janeiro de 2010.

Após alguma pressão, o executivo municipal fabricou uma comissão formada por doze secretarias, presidida pela Administração Regional Centro-Sul, com o objetivo de definir o que será ou não proibido na praça. Trata-se de medida inaceitável, concebida para legitimar e institucionalizar a ofensiva do prefeito no sentido da privatização do espaço público, da segregação territorial e da higienização da cidade. Esta é uma comissão espúria, eminentemente antidemocrática pela sua composição - todos os seus membros são burocratas da prefeitura – e por seus objetivos que refletem o patrimonialismo em vigor no executivo municipal. Entendemos que a praça é do povo, é o espaço por excelência do exercício da política e da construção da cidadania: liberdade de expressão e organização constitui princípio inegociável para nós.

A prefeitura do empresário Márcio Lacerda e seus aliados - como o tucano Aécio Neves, Pimentel e outros - representa os interesses exclusivos da burguesia. Os burocratas da Prefeitura falam de um lugar: do poder instituído. Nós falamos de outro: do espaço instituinte, nosso locus de atuação e pressão deve continuar sendo a praça pública - a ágora. São dois lados diferentes/antagônicos da barricada. A nossa luta é pela garantia de uma cidade sem portas, de casas sem armadilhas, como diria Carlos Drummond de Andrade, uma cidade que possa praticar sua diversidade e enfrentar suas contradições.

Trabalhadoras, trabalhadores, desempregadas e desempregados, mulheres, homens, povos quilombolas, negros, povos originários, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, estudantes e sem-universidade, sem-terra, sem-teto, organizações, coletivos, comunidades de resistência e movimentos populares explorados pela hegemonia burguesa - todos devemos lutar pela nossa praça e combater aqueles que dão apoio à este decreto anti-popular que visa a implementação do apartheid social, a criminalização da pobreza, dos movimentos sociais e do dissenso. Lembramos que o dissenso – e não o consenso, como quer a tradição liberal - é o elemento fundante da democracia.

Belo Horizonte, fevereiro de 2010.

Pelo Movimento de Resistência Popular da Praça!

• Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania / I.H.G. - D.H.C
• Movimento Anarquista Libertário de Belo Horizonte / M.A.L. - BH - RJ
• Associação Metropolitana de Estudantes Secundaristas / A.M.E. S. - BH
• União da Juventude Rebelião / U.J. R.
• Núcleo Pró-Federação Operária de Goiás / F.O. - GO
• Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais / Sind-Saúde – MG
• Sindicato dos Farmacêuticos do Estado de Minas Gerais / Sinfarmig
• Brigadas Populares
• Grupo de Pesquisa-ação Violência, Criminalidade e Direitos Humanos
• Grupo de Amigos e Familiares de Pessoa em Privação de Liberdade
• Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial / C.M.F.S.M.
• Grêmio Recreativo e Escola de Samba Cidade Jardim / G.R.E.S. Cidade Jardim
• Imersão Latina
• Ciranda Minas
• Senzala
• Economia Popular Solidária / E.P.S.
• Empreendimentos Econômicos Ecosolidários
• Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais – Subsede
Barreiro / Sind-Ute - Subsede Barreiro
• Grupo Levante de Teatro do Oprimido
• União da Juventude Comunista / U.J.C.
• Para Além do Estado e Mercado / P.A.E.M. - MT
• Movimento Anarcopunk de São Paulo / M.AP. – SP
• Liga Libertária – SP
• Coletivo Anarquista de Piracicaba e Região / C.A.P. RE. – SP
• Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra / MST
• Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária / ABRAÇO
• União de Negros pela Igualdade / UNEGROS
• Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais /ABGLT
• Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais / CELLOS-MG
• Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos
• Grupo Tortura Nunca Mais – RJ
• Grupo Tortura Nunca Mais – Ba
• Movimento de Direitos Humanos – SC
• Comitê Catarinense Pró-Memória – SC
• Fórum dos Ex-Presos Políticos de São Paulo
• Núcleo de Preservação da Memória Política – SP
• Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa - SP
• Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado / IEVE

Convocatória à todos defensores e defensoras dos Direitos Humanos


No dia 23/03/2010 às 14 horas na Assembléia Legislativa de Minas ocorrerá uma Audiência Pública para debater os ataques dos setores conservadores da sociedade ao 3° Programa Nacional de Direitos Humanos.

Tal audiência pretende reafirmar a defesa das entidades comprometidas com os Direitos Humanos em todas as suas dimensões ao PNDH 3 que foi construído a partir do amplo debate realizado em dezenas de conferências estaduais que culminaram nas propostas e diretrizes aprovadas na 11° Conferência Nacional de Direitos Humanos.

A Audiência foi designada pela comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais atendendo ao requerimento do Fórum Permanente em defesa do PNDH 3, que reúne inúmeras organizações, movimentos e entidades de luta e promoção dos Direitos Humanos.

Contamos com sua participação!

Todos e todas em defesa do PNDH 3!

segunda-feira, 15 de março de 2010

NOTA À SOCIEDADE



Beatriz e Esthefany, duas crianças da Ocupação Dandara, mártires da luta contra a injustiça social

Na madrugada deste domingo (14/03/2010), duas crianças, Beatriz (8 anos) e Esthefany (6 anos), morreram carbonizadas pela queima de um barraco de madeira (2 x 3 metros) na Ocupação Dandara, bairro Céu Azul, Região Nova Pampulha, Belo Horizonte/MG. Conforme laudo pericial prévio do Corpo de Bombeiros, o incêndio foi acidental.

Antes de tudo, é preciso manifestar a imensa tristeza que recaiu sobre toda a comunidade pelo ocorrido. Solidarizamo-nos com a dor dos familiares e amigos. Sofrimento esse aumentado pela forma como tem sido divulgada a notícia pelos grandes meios de comunicação de Minas Gerais. A imprensa mineira, de maneira irresponsável e repugnante, tem publicado notícias com o intuito de condenar Vera Lúcia, a mãe das crianças, e sustentando que a mesma estava bebendo no bar enquanto as crianças estavam sozinhas em casa.


Diante disso, damos conhecimento à população dos detalhes do ocorrido. Ontem, por volta das 23:00 horas, Vera Lúcia estava em sua casa com Beatriz e Esthefany, quando uma terceira criança, filho do seu cunhado que mora no lote vizinho ao seu, começou a chorar sentido a falta do pai, Alexandre. Vera, então, após ter deixado Beatriz e Esthefany dormindo no barracão, acompanhou o filho de Alexandre até um bar que fica próximo para encontrá-lo. Vera, assim que chegou ao bar para falar com seu cunhado Alexandre, avistou o incêndio na Dandara e retornou às pressas à comunidade. Q
uando Vera chegou ao local, não havia mais nada a ser feito. Vem-nos à mente e ao coração o lamento triste das irmãs de Lázaro: Senhor, se tivesses chegado antes, nosso irmão não teria morrido (João 11:32).

A partir do exposto, pergunta-se: Vera poderia ter deixado as crianças dormindo sozinhas? Não, mas muitas mães e pais não tem outra alternativa. O pai estava trabalhando no momento. Quantos pais e mães, sem ter acesso à creche , tem que deixar seus filhos sozinhos no barraco onde sobrevivem? Agora, cabe a reflexão: Vera, uma mãe que, como tantas outras mães e pais que, cotidianamente, agem espremidos por tantas opressões, tendo infelizmente acarretado um grave acidente que lhe custou a vida de duas lindas filhas, merece ser criminalizada pelos veículos de comunicação e pela Justiça Penal? E pior, Vera tem sido criminalizada com a distorção da realidade, inclusive relacionando sua conduta ao uso de bebida alcoólica (o que não ocorreu), e com a omissão de informações imprescindíveis à compreensão dos fatos.

Lamentamos profundamente a postura dos canais de comunicação do Estado de Minas Gerais que lançam mão do sensacionalismo em prejuízo da verdade e, pior, em prejuízo da vida moral e social da companheira Vera Lúcia. Tais veículos não divulgam, por exemplo, que Vera Lúcia e seu marido, como muitas outras centenas de famílias de Dandara, ainda não haviam construído sua casa de alvenaria temendo a ação Polícia Militar de Minas Gerais que, arbitrariamente, de forma
ilegal, impede a entrada de material de construção na comunidade que detem a posse legítima da área dada pela Corte Superior do Tribunal de Justiça. Não fosse essa ação ilegal da PM/MG, amplamente denunciada pela Comissão Jurídica de apóio à Dandara nos órgãos e instituições competentes, essa fatalidade provavelmente não teria ocorrido. A ação/omissão do Estado causa um verdadeiro martírio e agrava o doloroso compasso de espera de quase 900 famílias sem teto e sem terra de Dandara.

O prolongamento da situação de insegurança da posse, as arbitrariedades da Polícia, a intransigência da Prefeitura em negociar, enfim, as injustiças que pesam sobre as famílias de Dandara são as verdadeiras responsáveis pela fatalidade que transformou essas duas crianças em mártires.
É preciso compreender todo o conflito social que envolve a ocupação Dandara antes de emitir juízos precipitados sobre fatos como esse. Urge buscar as causas mais profundas.

Assim, solicitamos encarecidamente aos jornais e emissoras de rádio e televisão que ainda guardam algum compromisso com a verdade que corrijam as informações divulgadas ainda neste domingo, de modo a diminuir a forte dor que ora recai sobre a família das vítimas e demonstrando quem são os verdadeiros responsáveis pelo ocorrido. Tal postura, ainda, evitaria futuras ações judiciais com objetivo de assegurar direito de resposta e indenização por danos morais.

No mais, reafirmamos nossa profunda solidariedade com a família, especialmente com Vera Lúcia, mãe de Beatriz e Esthefany, e com o pai Reginaldo. Nesse sentido, advogados do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade e da Frente Antiprisional das Brigadas Populares estão empenhados na pronta soltura de Vera que até o momento se encontra encarcerada no Ceresp Centro-Sul.

Em cada um de nós, fica do triste evento o grande desafio para que nos empenhemos cada vez mais na busca de uma solução justa para Dandara e suas famílias. Hoje, a terra de Dandara foi banhada pelo sangue de duas crianças, que esse sangue possa frutificar na construção do dialogo e no fim da injustiça social que ainda assola a comunidade de Dandara.

Beatriz e Esthefany, Dandara jamais esquecerá de vocês! Vocês são mártires da luta contra a injustiça social.


Brigadas Populares
Coordenação da Ocupação Dandara

Resposta das Brigadas Populares à matéria publicada ontem (03/03) pelo Jornal Estado de Minas

Jornal Estado de Minas transforma em vilã as vítimas da inércia do Programa Minha Casa, Minha Vida




O Jornal Estado de Minas publicou ontem (03/03/2010) extensa matéria (página 10 inteira), com destaque na capa, tratando da Ocupação Dandara, no bairro Céu Azul, Nova Pampulha, em Belo Horizonte, MG. Basta ler o título (Invasão do MST barra obras de casas populares na Pampulha) para se concluir que a abordagem feita pelo Jornal ao longo da reportagem possui a clara intenção de colocar a sociedade contra a luta das famílias sem-casa e sem-terra que vivem na Dandara. Para o Jornal, a Ocupação é um obstáculo para a construção de casas populares por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida, pois a área ocupada seria destinada a esse Programa do Governo Federal.

Ora, as quase 900 famílias ocuparam a área justamente em função da inoperância da política habitacional da Prefeitura, do Governo Estadual e do Governo Federal, inclusive quanto à implementação do Programa Minha Casa, Minha Vida, pois, passado quase um ano de lançamento do programa, não se construiu NENHUMA moradia em Belo Horizonte para os mais pobres (renda mensal de 0 a 03 salários mínimos) que representam 90% do déficit habitacional no país.



Percebe-se que o Jornal transformou em vilã as próprias vítimas da total inércia da Prefeitura de Belo Horizonte no trato das políticas públicas. É uma tentativa explicita do Jornal de colocar os pobres e a opinião pública contra a luta travada pelas organizações populares que construíram Dandara e tantas outras comunidades e assentamentos bem sucedidos.


Evidentemente, a paralisação do Programa Minha Casa, Minha Vida tem razão de ser: nem a Prefeitura, nem o Jornal Estado de Minas, estão dispostos a confrontar os fortes interesses da especulação imobiliária e das grandes construtoras – como a Modelo – que não vão abrir mão dos latifúndios urbanos que dispõe para ofertar moradias aos mais pobres. Assim, não é “culpa” dos sem-teto e sem-terra a ineficiência das políticas públicas de habitação, mas sim responsabilidade das autoridades constituídas que se curvam diante do poder econômico dos “donos da cidade”, mesmo confrontando as leis e os interesses da coletividade.

Importante esclarecer, ainda, que não existe qualquer projeto da Construtora Modelo para produção de moradia popular na área, menos ainda pelo Minha Casa, Minha Vida. A empresa jamais veio a público alegar isso. O projeto juntado pela Construtora nos autos do processo de reintegração de posse é referente a uma outra área que não corresponde ao terreno onde está localizada a ocupação. O próprio Juízo levou em consideração esse fato quando suspendeu pela primeira vez a ordem de despejo. Basta verificar os autos do processo que não corre em segredo de justiça.

Além disso, não bastasse a completa inversão da realidade praticada pelo Jornal Estado de Minas S.A, não foram respeitadas as regras mais comezinhas do jornalismo profissional, prática comum deste Jornal. Enquanto a Construtora Modelo teve voz privilegiada na defesa de sua versão, foram publicadas frases soltas e deturpadas de uma liderança local que não contestavam efetivamente as informações colhidas pelo Jornal. A bem da verdade, houve uma maquiagem mal feita do contraditório. Por que não se ouviu o MST, as Brigadas Populares ou o Fórum de Moradia do Barreiro, organizações responsáveis pela construção da Ocupação Dandara? Por que não se ouviu ninguém da grande rede de apoio que Dandara tem?

Por fim, vale dizer que a publicação desta matéria, quase um ano após o nascimento de Dandara, é um importante sinal de alerta para a ocupação Dandara e seus apoiadores. Explica-se: essa publicação responde à necessidade de preparar a opinião pública diante da possibilidade de eventual despejo forçado que implicaria na demolição de 887 casas construídas palmo a palmo e, conseqüentemente, na destruição da vida de 887 famílias. É esse o verdadeiro conflito que o Jornal pretende ofuscar: de um lado, famílias que exercem legitimamente o direito de morar em respeito à função social da propriedade, de outro, a ineficiência da política pública de habitação e os interesses de uma construtora conhecida no mercado pela venda de contratos imobiliários abusivos e pela retenção de grandes vazios urbanos (como foi um dia a área onde hoje se situa a comunidade Dandara).

Sendo desnecessários maiores comentários acerca da matéria que fala por si mesma e, visando “mostrar o outro lado”, em respeito ao contraditório, damos conhecimento a sociedade de algumas informações deliberadamente omitidas pelo Jornal:

O Jornal Estado de Minas não disse que...

1. O terreno onde se localiza a ocupação Dandara (aproximadamente 400 mil m²) não cumpria a função social da propriedade (art. 5º, inc. XXIII, CR/88) desde a década de 1970 e seria passível de desapropriação mediante indenização e posterior destinação para fins de moradia popular.

2. Face ao descumprimento da função social da propriedade, o Ministério Público deu parecer favorável à permanência das famílias na área ocupada no processo em que contende Dandara e Construtora Modelo.

3. As Brigadas Populares sempre buscaram construir canais de negociação com o Poder Público a fim de se alcançar uma saída pacífica para o conflito. Aliás, as famílias de Dandara estão dispostas a arcar com o custo da aquisição da moradia, mediante financiamento popular nos termos previstos na lei do Programa Minha Casa, Minha Vida (renda 0 a 3 s.m), portanto, de maneira alguma as famílias da ocupação Dandara são obstáculo à implementação do Programa Minha Casa Minha Vida, como tenta fazer crer a reportagem veiculada. Entretanto, apesar de todas as tentativas (audiências públicas, manifestações de rua, intervenção do Ministério Público, da Igreja, outras instituições e entidades etc), jamais fomos recebidos pelo Sr. Prefeito Márcio Lacerda que se nega ao diálogo.

4. A Construtora Modelo já lesou mais de 2 mil mutuários em Minas Gerais com contratos imobiliários abusivos, segundo consta no sistema de pesquisa processual na página do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.




5. A Polícia Militar de Minas Gerais por ordem do alto comando, referendada pelo Sr. Governador Aécio Neves, mantêm guarda 24 horas nos arredores de Dandara, praticando inúmeras ilegalidades, como por exemplo, apreendendo veículos que transportam materiais de construção para dentro da Dandara, apesar das famílias exercerem a posse legitima por decisão judicial da Corte Superior do Tribunal de Justiça.

6. Frequentemente, procuram a ocupação Dandara famílias sem-teto que afirmam terem tomado conhecimento da ocupação pela própria Prefeitura ao procurarem a Urbel para fazer cadastramento em programa habitacional. Também procuram famílias de várias regiões da cidade, inclusive famílias atingidas pelo Programa Vila-Viva da Prefeitura de Belo Horizonte - PBH. Hoje, já temos uma lista de espera com mais de 700 famílias inscritas que alimentam a esperança de conquistar sua moradia. Esse quadro é reflexo do drama em que vivem os pobres da capital mineira que tem mais de 70 mil famílias sem-casa (na região metropolitana, são mais de 173 mil famílias sem-casa).

7. Na ocupação Dandara existe uma coordenação coletiva com 18 membros (homens e mulheres coordenadores de área), mais apoiadores externos. Todas as decisões relevantes tiradas nesta coordenação são discutidas nos grupos de área (atualmente são 09 grupos com aproximadamente 100 famílias cada) e levadas para a assembléia que é a instância máxima de decisão.

8. Existe na ocupação Dandara coletivos de saúde e de educação formados por moradores e apoiadores da ocupação. A equipe de educação já conseguiu, por exemplo, criar uma turma de alfabetização ministrada por uma moradora capacitada pelo Projeto MOVA do Instituto Paulo Freire. Em breve, Dandara será território livre de analfabetismo.

9. Os conflitos internos da ocupação são dirimidos e mediados pelas lideranças locais, quase sempre sem qualquer intervenção da força policial. A ocupação Dandara é uma comunidade pacífica em que a organização popular permitiu o estabelecimento de fortes vínculos de solidariedade, conscientização, disciplina e compromisso social.




10. A ocupação Dandara possui projeto urbanístico elaborado por estudantes e profissionais da arquitetura e geografia com a participação decisiva dos moradores. Existe ainda um Plano Diretor Coletivo (já em andamento) voltado para o ordenamento na forma de apropriação do espaço, com a construção de equipamentos coletivos (centro comunitário, creche, posto de saúde, campo de futebol, igreja ecumênica etc) e áreas de produção de cultivos agrícolas. Nossa maior preocupação é não reproduzir mais uma favela ou área de risco na cidade, por isso não há becos e nem aglomeração intensa na ocupação Dandara.

11. A ocupação Dandara respeita a legislação urbanística (Plano Diretor/ADE Trevo) e ambiental, pois tem clareza da responsabilidade que possui por estar localizada numa área sensível do ponto de vista ambiental. Nesse sentido, é mantida a distancia legal das nascentes (no mínimo 30 metros) e estão sendo construídas fossas ecológicas no modelo bason, um modelo de sanitário seco que não permite a contaminação do lençol freático, até que a rede de esgoto esteja concluída.

12. A ocupação Dandara é a maior ocupação organizada de Minas Gerais, sendo referência da luta popular no país e no mundo. Na comunidade já passaram mais de 20 turmas de estudantes, de graduação e secundaristas, além de pós-graduandos, religiosos de diversas congregações, militantes e ativistas brasileiros e estrangeiros. Enfim, Dandara tem sido um importante exemplo de resistência e organização popular.

13. As famílias organizadas pelas organizações populares, mais do que terrenos, lograram com Dandara ocupar corações e mentes de milhares de pessoas dispostas a lutar por uma cidade em que caibam todos e todas.

Pelo que se nota, omitindo os bons frutos de Dandara, o Jornal Estado de Minas, mais do que atingir a legitimidade da luta de Dandara, omite dos seus leitores que um outro mundo é possível e necessário.

Para conhecer melhor a Ocupação Dandara venha nos visitar. As centenas e centenas de pessoas que já visitaram Dandara sabem da maneira hospitaleira que todos que lá chegam são recebidos. Sugerimos também acompanhar as notícias em nosso blog: www.ocupacaodandara.blogspot.com

Belo Horizonte, 04 de março de 2010.



Brigadas Populares
Pátria Livre, Poder Popular!

Calouros da UFMG visitam Dandara e debatem sobre saúde

Na quinta-feira passada, dia 04 de março de 2010, o resultado de vários meses de planejamento tomou corpo dentro um espaço de acolhimento, reflexão e debates. Trata-se da Recepção de Calouros Unificada dos Cursos da Saúde da UFMG (“UniVerCidade”), que objetiva ser um espaço de fortalecimento do Movimento Estudantil de área, além de apresentar o debate sobre saúde que se trata dentro dos ares da cidade. E para tal, utiliza-se da metodologia de vivências em serviços de saúde (da atenção básica e saúde mental), além de visitas a locais onde haja exemplo de organização popular, no qual travamos o debate de saúde de maneira mais ampla.

Era uma manhã chuvosa em BH quando, então, um grupo de 45 estudantes (de vários cursos da área da Saúde da UFMG) chegou à Dandara. Apesar dos efeitos da chuva sobre a Ocupação, os estudantes se dispuseram a conhecer a comunidade e foram muito bem recebidos. Conversaram com moradores e ouviram de alguns os testemunhos dos 11 meses de história que já temos lá. Debatemos um pouco mais sobre a ocupação, as reflexões em torno das questões relacionadas à saúde e educação, da importância da organização consciente para se garantir nossos direitos.

Na parte da tarde, os calouros retornaram à UFMG, onde aconteceram outros espaços de discussão e troca de experiências acerca das vivências que cada grupo havia realizado na parte da manhã.

A Recepção por si acabou naquele dia, mas a necessidade da luta é permanente. E é esse debate que quem organizou a recepção (Espaço Saúde, ENEBIO e DA´s da UFMG: Veterinária, ICB, Terapia Ocupacional, dentre outros companheiros) quer levar adiante.

Saúde é luta!

domingo, 14 de março de 2010

O “monstro” da hipocrisia está à solta

O “monstro” da hipocrisia está à solta

Por Gustavo Barreto em 1 de março, 2010

Violência e juventude: uma questão social. Foto retirada de reinoverde.blogspot.comO que eu, você, João Hélio e Ezequiel Toledo Lima temos em comum? Uma reflexão sobre a criminalização da infância e adolescência.

Penso numa sociedade contemporânea idealizada. Nela, os monstros (bem como os deuses) ficaram na Idade Média, ou em outros tempos em que “chuva”, por exemplo, era um sinal dos céus. Hoje sabemos que “chuva” é um fenômeno físico, que muda inclusive com a ação do homem. E que a mesma chuva forte que cai na Finlândia e em São Paulo tem consequências diferentes, por conta do que chamamos de política.

A política é uma forma de ação organizada dos homens, que utilizam suas técnicas e ensinamentos para desenvolver projetos coletivos. A política muda muito de acordo com a cultura de cada país, de cada povo, de cada etnia, de cada momento histórico. A cultura seria, hoje, um dos principais locais de embate da sociedade pós moderna, esta sociedade em que a informação ganha tanta importância.

E por que eu digo isso? Porque o “monstro” que costumamos inventar é uma enganação. Uma farsa. Hitler, por exemplo, não era um monstro. Pelo contrário: entendia muito bem a sociedade em que vivia. Estava amplamente inserido nela. Levado ao poder em 1933, sustentou mais de 90% de apoio popular em muitos momentos e escondeu, por meio de seu aparato midiático, todas as barbaridades que cometeu. Se não o tivesse feito desta forma, teria sido denunciado publicamente e cairia muito rapidamente.

Mas não. Hitler usou todo o seu poder político para se fazer no poder e sustentar uma rede de genocídio e escravidão inéditos numa Europa que se julgava o berço da civilização, da cultura. É uma das principais vergonhas dos europeus, até hoje: como é possível haver escravidão numa civilização “avançada” do século XX? E como foi possível que o povo indiano, a partir da ação não-violenta e contra um dos impérios mais bárbaros que existiu (o inglês), conseguisse a independência de uma imensa nação? Isso é possível graças à política.

A função dos “monstros”

A saída do “monstro” é fácil, está aí a chave para entendermos o debate sobre os assassinos do garoto João Hélio. Falar em “bem” e “mal” é, afinal, a saída da novela das oito, que assim pode criar esquemas de fácil entendimento para que as pessoas, que atualmente sofrem de uma espécie de “normopatia”, possam se adequar a esquemas culturais e, desta forma, criar uma identidade atualmente em falta no “mercado”. É, afinal, o que fazemos: ir à escola, não jogar papel na rua, entrar numa universidade, casar, ter filhos, arranjar um emprego, desejar a riqueza, se aposentar. Tudo muito “normal”. E cada vez mais normal, até o ponto em que a diferença é suprimida. Que o outro é completamente esquecido.

O “monstro”, assassino de João Hélio, é o outro esquecido. Produto de NOSSA sociedade, desta que todos nós fazemos parte. Estão todos no mesmo barco: na sociedade. Não adianta eu ser um bom samaritano, porque na sociedade não há lugar especial, daqueles que se pode comprar na igreja. Pelo menos não há tantos assim. Os problemas da sociedade, se profundos, um dia acabam chegando a você de uma forma ou de outra.

O “monstro” em questão, por exemplo, é um jovem, pobre, negro, mora no Rio de Janeiro, não teve educação adequada, sua família é totalmente desestruturada. Tudo isso é “normal” para a sociedade, não é o tipo de coisa que gera passeatas na Zona Sul do Rio. Agora, esta mesma sociedade – aquela que não se importa com a educação pública, universal e de qualidade, pois já decidiu pela privatização do ensino – deseja ver esta mesma pessoa, da NOSSA sociedade, expulsa, execrada, “deletada” da nossa memória social.

É o que uma determinada classe média faz, por exemplo, com os gays ou com os negros, apenas com a restrição de não poder fazê-lo em público (porque é politicamente incorreto). É o ponto em comum entre Hitler e um conservador contemporâneo: extinguir a “raça” de gays, ou a “raça” de negros. Cada sociedade injusta escolhe o outro mais cômodo.

Dois pesos, duas medidas

É útil, no momento em que se criam certas figuras públicas, reforçar a identidade do jovem assassino de João Hélio: é um “monstro”, alguém que “sabia o que estava fazendo” e mesmo assim o fez, e com uma confiança tal que até “judiou” de João Hélio. Aqui, perceba, a identidade dele é reforçada. Mas nem sempre é assim.

Os jovens e as crianças, via de regra, são tidos como membros em formação: em rápido processo de aprendizado, retêm com grande presteza o que lhes é passado pelos adultos (pais, professores, celebridades). Olham, observam, interpretam e copiam.

Isso é sempre verdade, seja qual for o psicólogo que você consulte. A não ser, claro, que você queira transformar um determinado jovem em um monstro. Aí o discurso muda. “Este garoto nasceu com o diabo no corpo”, diriam alguns. Talvez seja interessante fazer uma reflexão sobre isso.

Destaquei por conta do debate da maioridade penal, ainda em 2007, que raramente são divulgadas, nestes casos, estatísticas sobre quantas crianças estão fora das escolas por falta de vagas ou sem moradia adequada. Não tentam esclarecer como funciona uma escola ou como os professores se relacionam com a comunidade ou com os pais. Nada disso é primeira página. Relações muito mais absurdas, como a idade de um adolescente infrator, são destaque nas primeiras páginas. [1]

A nova estratégia

Há, neste momento, uma diferença importante entre o que ocorreu em 2007, naquele “debate” público, e agora, com a lembrança do triste caso do garoto João Hélio. À época, importantes telejornais registravam que “existem seis propostas para reduzir a maioridade penal que entraram em pauta nesta semana no Congresso...”. Este tipo de informação conduzia, de certa forma, uma campanha pela redução da maioridade penal, colocando este aspecto como central para a diminuição da violência – e quem não deseja que a violência seja reduzida?

As vozes de organizações da sociedade civil que tratam do tema da infância e da adolescência raramente eram ouvidas, conforme denunciamos então.

Agora, três anos depois, o caso está sendo conduzido com foco na construção voluntária da figura do “monstro”, como destaquei. Não que não houvesse este discurso antes. Contudo, alguém que repete hoje informação da mídia, sem ao menos pensar sobre o tema, basicamente idealiza a crueldade dos assassinos de João Hélio. A sacralização da maldade é um dos elementos centrais da “argumentação” pró-demonização dos infratores. E para isto está trabalhando a mídia: descreve minuciosamente o ocorrido.

E o problema da concentração de poder nos meios de comunicação também é central, conforme descrevi na mesma entrevista citada, de 2007. Reproduzo: “(...) não há controle social, não há pacto social, não há diversidade cultural. Se houvesse, não haveria problema em um grupo fazer pressão pela redução da maioridade. Teríamos outros seis, sete grupos, com seis ou sete outras propostas diferentes. Em algum momento, chegaríamos a um consenso. Avançaríamos, apesar das diferenças. Isto não acontece em um país onde, em centenas de anos, todas as grandes mudanças políticas se deram de cima para baixo. Felizmente, a meu ver, essa cultura sofre uma forte resistência, uma forte contracultura.”

Relembrando, ainda, que o mínimo de investigação sobre a violência na juventude – estudos de casos internacionais, literatura sobre o tema etc – nos faz admitir que estamos falhando na formação da nova geração. O modelo que adotamos, cujo principal traço é o consumo, já é por si só uma violência brutal e cotidiana contra os jovens. É um erro fatal aceitar a violência simbólica como menor que a violência física. Rubem Fonseca publicou um conto definitivo sobre o tema denominado “O Cobrador” (1979). Não há sociedade possível com esse modelo de consumo e concentração de riquezas.

O que fazer, então?

Afirmei à época: “Temos que tratar desse importante e complexo tema em partes. Por exemplo, analisar a situação das crianças de 0 a 5 anos. Como estão sendo tratadas? Há hospitais e creches suficientes? Há apoio do governo para pais que tenham dificuldade em criar seus filhos? Estamos reprovados já nesta questão”. E há, ainda, muitos outros temas – as tais medidas socioeducativas, casas de recuperação, educação especial, exploração infantil, mídia dirigida a crianças, e por aí vai.

Ainda: “São muitos os temas. Perceba que, já nos primeiros passos, falhamos. Em todos os outros, há falhas graves, como o pouco investimento de recursos (não só financeiros). Pense sobre todas essas questões e depois perceba a inutilidade que é incluir na pauta a questão da maioridade. É um foco no problema que é trágico, culturalmente enraizado, incrivelmente equivocado.”

Certamente, o sensacionalismo não ajuda em nada na mobilização popular, qualquer que seja esta, na busca por soluções.

Vamos falar de casos trágicos? Temos dezenas, centenas. Temos as redes de comunicação popular no Rio de Janeiro, como a Renajorp e a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, denunciando semanalmente casos de desrespeito aos direitos humanos. Um jovem vai à padaria e é morto com uma bala nas costas, a origem comprovada é da Polícia Militar. A cada policial morto no Rio em conflito, 41 civis são assassinados, indica um estudo de 2007. Um laudo da OAB indica que 19 pessoas foram mortas no Complexo do Alemão sem qualquer indício de confronto, no mesmo ano. E todos os meses, todas as semanas, às vezes por dias consecutivos, temos casos como estes.

E o que pedem as famílias, quase sempre pobres, inocentes, civis? O que desejam? Vingança? Redução da maioridade penal? Não, pedem justiça.

E a justiça, nesta concepção que se costuma ter da palavra, depende de uma ampla reforma, uma mudança radical na forma como os recursos são gastos. Perceba que o processo pelo qual passava o Rio de Janeiro foi aprofundado: uma série de eventos esportivos se aproxima; os recursos serão priorizados – como destacado amplamente na própria mídia – apenas em áreas próximas a todo e qualquer complexo esportivo.

Não consigo visualizar a inserção de recursos em bairros como Guadalupe e Santa Cruz, aqui no Rio de Janeiro, caso Guadalupe e Santa Cruz não estejam no caminho da Copa do Mundo ou das Olimpíadas. Este modelo, como destaquei, está sendo aprofundado e assim será até, pelo menos, 2016. E não entremos na denúncia das remoções de moradores de comunidades populares, por conta dos mesmos eventos.

A identidade e o coletivo em debate

Lembro que o compositor MV Bill e o sociólogo Luiz Eduardo Soares argumentavam que uma criança comete atos de violência como quem dá um grito para uma sociedade, que a ignora sistematicamente. Notavelmente, este é um tipo de abordagem que merecia um pouco mais de atenção. É um contraponto, que possui distintas discussões embutidas, incluindo opiniões divergentes dentro de uma mesma vertente.

Uma das faces da pós-modernidade, que alguns sociólogos denominaram neoliberalismo cultural, é exatamente a individualização (ou, pior, a sacralização e naturalização) de uma situação que é social.

Há, no caso dos “monstros”, a tentativa de um encerramento da História como processo, como condutora dos acontecimentos atuais. Torna-se algo quase que pessoal: um criminoso matou meu filho e deve morrer por isso. Como a legislação não permite, ele deve ir para a cadeia e apodrecer por lá.

Conforme destacado, é uma saída fácil, até mesmo confortante, porém pouco produtiva. A política do olho por olho já se demonstrou um tiro no escuro e, por conta disso, praticamente todos os países do planeta decretaram seu fim, inclusive por meio de suas constituições. Há focos de resistência, por exemplo, em países como Estados Unidos, Irã, Afeganistão, China. Mesmo aí, a sociedade civil e boa parte da comunidade internacional frequentemente se levantam contra tais políticas.

O caso Ezequiel

O debate atual, ao meu ver falso, se dá em torno do fim que um dos assassinos de João Hélio – Ezequiel Toledo Lima, atualmente com 19 anos e que não possuía maioridade penal à época – deveria ter. Proteção policial? Assistência psiquiátrica? Prisão?

Na prática, é no mínimo curioso que pessoas que nunca se debruçaram sobre o tema façam artigos emocionados lamentando que o tal “monstro” esteja “solto” – certamente, concordo eu, sem condições de ficar sem amparo e proteção de alguma família. Portanto, proteção legal.

São pessoas que, sem medo de errar, adotam o seguinte procedimento:

1. Vivem de falar mal de “ONGs” e dos “direitos humanos” (às vezes usando artigo definido, “o direitos humanos...”), como se estes fossem ameaças a uma sociedade que deveria ser regida por “homens de bem”;

2. Nestes momentos, em que um jovem infrator “menor” suscita tal discussão, passam a ser instantaneamente “especialistas” e “ativistas” pró-direitos da criança e do adolescente, exigindo que os direitos de determinadas crianças sejam plenamente respeitados, a despeito de outras determinadas crianças que, por sua origem, são relegadas ao esquecimento.

3. Como “solução” brilhante para os graves problemas de nossa sociedade – cujos resultados são distintos, entre eles o brutal crime cometido por Ezequiel –, pedem a redução da maioridade para 16 e até 14 anos, “fim das infinitas possibilidades de progressão da pena” e “implantação de trabalhos forçados (sic) nas cadeias” (citando um leitor do jornal O Globo).

Vale relembrar o início desta reflexão: “A política é uma forma de ação organizada dos homens, que utilizam suas técnicas e ensinamentos para levar à frente projetos coletivos. A política muda muito de acordo com a cultura de cada país, de cada povo, de cada etnia, de cada momento histórico.”

É uma grande conquista da nossa sociedade, em tal estágio cultural no qual nos encontramos, a civilidade e o fim da tortura e do desrespeito aos direitos humanos. Àqueles que, angustiados com sua própria inércia diante da política, fica a dica, a partir do caso suscitado por Ezequiel Toledo Lima, de buscar no futuro uma saída coletiva e uma participação maior no conjunto da sociedade.

A ignorância e a estupidez constatadas em tempos pós-modernos pode ser verificada, em primeiro lugar, na forma despolitizada com que os cidadãos (des)tratam a democracia, acreditando que um voto a cada quatro anos, a busca individual da riqueza e um artigo de vez em quando no jornal resolvem o problema.

E, como uma das consequências dessa dinâmica, a violência da desigualdade social retorna de modo difuso para toda a sociedade – foi com o João Hélio, mas poderia ter sido com a minha mãe ou com a minha irmã. Somos todos parte de uma mesma sociedade, com rumos determinados pela ação coletiva. Às vezes, lamentavelmente, contando com toda a força de nossa inércia.

Se alguém acha que mudaremos nossa condição social com leis que criminalizam crianças e adolescentes e cercam com grades todos os infratores de nossa sociedade, trate de se levantar agora e colaborar de modo realmente produtivo. Do contrário, cá entre nós, qualquer palavra será vazia e em vão.

(*) Gustavo Barreto, jornalista, radialista e produtor cultural, coordena a Revista Consciência.Net.

[1] Vide entrevista ao Ibase, a Jamile Chequer, em http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=547

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