terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Serra acesa ou de favelado pra favelado!


Entrando à noite em um aglomerado qualquer um, dos que acostumados com a divulgação das notícias da mídia de massa, sente o tal aperto, o tal medo. Quem, porém já nasceu na favela, na periferia sabe muito bem o quanto de sensacionalismo e de mentiras são veiculadas nesse cotidiano de estereótipos e falta de compromisso com a informação. De favelado pra favelado, a história é mais embaixo, a chapa é quente! As crianças brincam em meio aos carros da polícia, as pessoas tem que continuar a viver!

A polícia “ocupa” o morro como se dissesse: “vamos dar a esse povo o que merece, está na hora de mostrar a eles quem manda!” O mais interessante é saber que é necessário, urgente romper com a lógica da notícia forjada, é imprescindível construir uma comunicação em que quem diga é quem está lá. Diria uma companheira moradora do Aglomerado da Serra: “Não dá pra deixar que só eles mostrem o que se passa aqui! Nós temos que divulgar do nosso jeito!” Ou respondendo à uma pergunta(“e a polícia ainda está aí?”) da favelada aqui que quase se esqueceu de como é a vida na periferia: “ A polícia não sai mais daqui não sô!” Me recordo de ocupações militares parecidas eternas no mundo, exemplifico somente uma aqui pertinho de nós: Haiti. As “missões de paz”, o poeta ou manifestante daquele momento(tempos antigos hein?!) diria: “paz sem voz não é paz, é medo” E a voz dos desterrados tem que ser dita!

O Aglomerado da Serra tem sua dinâmica, ontem eram quase quatrocentas pessoas na praça do Cardoso( se meus olhos tem a dimensão do cálculo!), e em sua maioria, maioria mesmo eles eram crianças, adolescentes e jovens. Sabiam exatamente porque estavam ali, até porque os adultos se juntavam no meio (um montante no meio da praça mesmo!) e oravam com um pastor de uma das Igrejas de lá, até o momento em que permaneci era essa fé que reinava, com todo o meu respeito de não mais tão fiel. Entretanto os jovens permaneciam em volta, contando o que se passou e preparados pra enfrentar a polícia se fosse o caso. Sentada do lado de um deles ouço o que diz um deles a um amigo: “Eles(os quase dez carros de polícia que consegui contar no meio da escura rua acima da praça!) estão ali em cima, se dessem já tenho algo pra atacar!” Era uma garrafa de vidro jogada no meio da grama abaixo dos nossos pés, eu sorri pensando nessa possibilidade. É mesmo a forma de dizer do jovem, sempre fazendo!

De favelado pra favelado é sempre bom essa circulação; essa quebra das fronteiras, não há nada de absurdo em saber o que se passa de verdade lá dentro, e enquanto não se sabe, só subindo a ladeira, porque o povo sempre é desterrado de tudo, numa situação dessas a mídia não diz o que condiz, os ônibus não circulam dentro da comunidade, as escolas fecham. Ou seja, o Estado Democrático de Direito apenas oferece um tipo de serviço público: A REPRESSÃO!. Gostaria de não ser pessimista, mas pode ser que estejamos longe de conseguir sair das teorias geneticistas do criminoso, pode ser que Lombroso(arrepio na espinha!) ainda tenha muito lugar no meio da teoria sobre a pena, o crime. Enquanto o menino estiver disposto a jogar a garrafa, estarei com ele! Enquanto eu tiver fôlego pra subir a serra, e a gente disponibilidade de se organizar pra contrapor podemos pensar numa outra forma de se relacionar socialmente, creio que o caminho é esse.

Laila, militante da Frente de Juventude das Brigadas Populares

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A forma de dizer da juventude

Nos últimos meses o que podemos notar nas notícias é a ação/reação da juventude em vários pontos do mundo. Por um lado uma unidade de adolescentes (cadeia mesmo!) é queimada no Panamá, um menino-bomba atua no Paquistão, milhares de jovens ocupam as ruas no Egito, picham monumentos e muros com palavras de ordem e depois os limpam! Limpam? Sim, eles limparam as pichações depois da saída (da fuga!) de Murabak(os corruptos são sempre muito previsíveis, diferente do povo em luta!). Nesta semana, jovens, em sua maioria, foram à praça sete em BH e no Brasil, encararam a difícil tarefa de dialogar com a cidade! Neste caso para protestar contra o aumento das passagens (por aqui há luta dos rodoviários também!). Nestes últimos dias moradores; na maioria adolescentes, lutavam contra a invasão da Polícia Militar no aglomerado da Serra, eles protestam por um motivo! Só um? Não sei, mas é muito pertinente! Essas pessoas quando agem de acordo com demandas sérias de violência, de ataque direto, a frase de Fidel é sempre presente: “os povos não desafiam a repressão nem permanecem noites inteiras protestando com energia por questões simplesmente formais. O fazem quando seus direitos legais e materiais são sacrificados sem piedade diante exigências insaciáveis de políticos corruptos e de os círculos nacionais e internacionais que saqueiam o país” (La Rebelión Revolucionaria en Egipto) não é necessário dizer muito! A juventude talvez diga pouco, diga de forma difusa, atravessada, mas quando diz ela diz fazendo! Se de pedras agora, noutro tempo de idéias! Afinal: “as idéias são à prova de balas”!

Laila, militante da Frente de Juventude das Brigadas Populares

http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2011/02/pm-invade-aglomerado-e-moradores-revidam-com-pedradas-em-bh.html

sábado, 19 de fevereiro de 2011

La Rebelión Revolucionaria en Egipto

Dije hace varios días que la suerte de Mubarak estaba echada y ni siquiera Obama podía salvarlo.

El mundo conoce lo que sucede en el Medio Oriente. Las noticias circulan a velocidad pasmosa. Apenas alcanza el tiempo a los políticos para leer los despachos que van llegando hora por hora. Todos están conscientes de la importancia de lo que allí ocurre.

Tras 18 días de duro batallar, el pueblo egipcio logró un importante objetivo: derrocar al principal aliado de Estados Unidos en el seno de los países árabes. Mubarak oprimía y saqueaba a su propio pueblo,era enemigo de los palestinos y cómplice de Israel, la sexta potencia nuclear del planeta, asociada al grupo belicoso de la OTAN.

Las Fuerzas Armadas de Egipto, bajo la dirección de Gamal Abdel Nasser, habían lanzado por la borda a un Rey sumiso y creado la República que, con el apoyo de la URSS, defendió su Patria de la invasión franco-británica e israelita en 1956, y preservó la posesión del Canal de Suez y la independencia de su milenaria nación.

Egipto poseía por ello elevado prestigio en el Tercer Mundo. Nasser era conocido como uno de los líderes más destacados del Movimiento de Países No Alineados, en cuya creación participó junto a otros conocidos dirigentes de Asia, África y Oceanía que luchaban por la liberación nacional y la independencia política y económica de las antiguas colonias.

Egipto gozó siempre del apoyo y el respeto de dicha organización internacional que agrupa a más de cien países. En este momento, precisamente, ese hermano país preside el Movimiento por el período de tres años que le corresponde; y el apoyo de muchos de sus miembros a la lucha que hoy libra su pueblo no se hará esperar.

¿Qué significaron los Acuerdos de Camp David, y por qué el pueblo heroico de Palestina defiende tan arduamente sus derechos más vitales?

En Camp David -con la mediación del entonces presidente de Estados Unidos Jimmy Carter-, el mandatario de Egipto Anwar el-Sadat y el Primer Ministro israelí Menahem Begin, firmaron los famosos acuerdos entre Egipto e Israel.

Se cuenta que sostuvieron conversaciones secretas durante 12 días, y el 17 de septiembre de 1978 firmaron dos acuerdos importantes: uno referido a la paz entre Egipto e Israel; y otro relacionado con la creación de un territorio autónomo en la Franja de Gaza y Cisjordania, donde el-Sadat pensaba -e Israel conocía y compartía la idea- que sería la sede del Estado palestino, cuya existencia, así como la del Estado de Israel, la Organización de Naciones Unidas acordó el 29 de noviembre de 1947, en el mandato británico de Palestina.

Tras conversaciones arduas y complejas, Israel aceptó retirar sus tropas del territorio egipcio del Sinaí, aunque rechazó categóricamente la participación en aquellas negociaciones de paz de la representación de Palestina.

Como producto del primer acuerdo, en el plazo de un año, Israel reintegró a Egipto el territorio del Sinaí ocupado en una de las guerras árabe-israelíes.

En virtud del segundo, ambas partes se comprometían a negociar la creación del régimen autónomo en Cisjordania y la Franja de Gaza. La primera, comprendía un territorio de 5 640 kilómetros cuadrados y 2,1 millones de habitantes; y la segunda, 360 kilómetros cuadrados y 1,5 millones de habitantes.

Los países árabes se indignaron con aquel acuerdo en que, a su juicio, Egipto no defendió con suficiente energía y firmeza un Estado Palestino, cuyo derecho a existir había sido centro de las luchas libradas durante décadas por los estados árabes.

A tal extremo de indignación llegó la reacción de los mismos, que muchos rompieron relaciones con Egipto. De esa forma, la Resolución de Naciones Unidas de noviembre de 1947, fue borrada del mapa. El ente autónomo jamás se creó y así se privaba a los palestinos del derecho a existir como estado independiente, de lo cual se deriva la interminable tragedia que se vive y que debió resolverse hace más de tres décadas.

La población árabe de Palestina es víctima de acciones genocidas; las tierras les son arrebatadas o privadas de agua en aquellas áreas semidesérticas y las viviendas destruidas con pesados martillos. En la Franja de Gaza, un millón y medio de personas son sistemáticamente atacadas con proyectiles explosivos, fósforo vivo y las conocidas granadas cazabobos. El territorio de la Franja está bloqueado por mar y por tierra. ¿Por qué se habla tanto de los acuerdos de Camp David y no se menciona a Palestina?

Estados Unidos suministra los más modernos y sofisticados armamentos a Israel por valor de miles de millones de dólares cada año. Egipto, un país árabe, fue convertido en el segundo receptor de armas norteamericanas. ¿Para luchar contra quién? ¿Contra otro país árabe? ¿Contra el propio pueblo egipcio?

Cuando la población demandaba respeto a sus derechos más elementales y la renuncia de un presidente cuya política consistía en explotar y saquear a su propio pueblo, las fuerzas represivas entrenadas por Estados Unidos no vacilaron en disparar contra ella, matando cientos de personas e hiriendo a miles.

Cuando el pueblo egipcio esperaba explicaciones del Gobierno de su propio país, las respuestas venían de altos funcionarios de los órganos de inteligencia o del gobierno de Estados Unidos, sin respeto alguno para los funcionarios egipcios.

¿Es que acaso los dirigentes de Estados Unidos y sus órganos de inteligencia no conocían una sola palabra de los colosales robos del gobierno de Mubarak?

Antes de que el pueblo protestara en masa desde la Plaza Tahrir, ni los funcionarios del gobierno, ni los órganos de inteligencia de Estados Unidos decían una sola palabra de los privilegios y robos descarados de miles de millones dólares.

Sería un error imaginar que el movimiento popular revolucionario en Egipto obedece teóricamente a una reacción contra las violaciones a sus derechos más elementales. Los pueblos no desafían la represión y la muerte ni permanecen noches enteras protestando con energía por cuestiones simplemente formales. Lo hacen cuando sus derechos legales y materiales son sacrificados sin piedad a las exigencias insaciables de políticos corruptos y de los círculos nacionales e internacionales que saquean el país.

El índice de pobreza afectaba ya a la inmensa mayoría de un pueblo combativo, joven y patriótico, agredido en su dignidad, su cultura y sus creencias.

¿Cómo podrían conciliarse la elevación imparable de los precios de los alimentos con las decenas de miles de millones de dólares que se atribuyen al presidente Mubarak, y a los sectores privilegiados del gobierno y de la sociedad?

No basta ahora que se conozca a cuánto ascienden, hay que exigir que sean devueltos al país.

Obama está afectado por los acontecimientos egipcios, actúa o parece actuar como dueño del planeta. Lo de Egipto pareciera ser un asunto suyo. No para de hablar por teléfono con los líderes de otros países.

La agencia EFE, por ejemplo, informa: “…habló con el primer ministro británico, David Cameron; el rey Abdalá II de Jordania, y con el primer ministro turco, el islamista moderado Recep Tayyip Erdogan.”

“…el gobernante de EEUU valoró el ‘cambio histórico’ que han impulsado los egipcios y reafirmó su admiración por sus esfuerzos…”.

La principal agencia de información norteamericana AP, transmite razonamientos dignos de atención:

“Estados Unidos solicita gobernantes en el Medio Oriente de inclinación occidental, amistosos con Israel y dispuestos a cooperar en la lucha contra el extremismo islámico al tiempo que protejan los derechos humanos.”

“…Barack Obama ha planteado una lista de requisitos ideales imposibles de satisfacer tras la caída de dos aliados de Washington en Egipto y Túnez en revueltas populares que, según expertos, se propagarán en la región.”

“No existe prospecto con ese currículo de ensueño y es muy difícil que aparezca uno pronto. En parte se debe a que en los últimos 40 años, Estados Unidos sacrificó los ideales nobles de los derechos humanos, que tanto propugna, a cambio de la estabilidad, la continuidad y el petróleo en una de las regiones más volátiles del mundo.”

“‘Egipto no volverá a ser el mismo’, dijo Obama el viernes después de que celebrara la salida de Hosni Mubarak.”

“Mediante sus protestas pacíficas, dijo Obama, los egipcios ‘transformaron su país y al mundo’.

“Aun cuando persiste el nerviosismo entre varios gobiernos árabes, las elites afianzadas en Egipto y Túnez no han dado señales de que estén dispuestas a ceder poder ni la vasta influencia económica que han tenido.”

“El gobierno de Obama ha insistido en que el cambio no debía ser de ‘personalidades’. El gobierno estadounidense fijó esta postura desde que el presidente Zine El Abidine Ben Ali huyó en enero de Túnez, un día después de que la secretaria de Estado, Hillary Rodham Clinton, advirtiera a los gobernantes árabes en un discurso en Qatar que sin una reforma los cimientos de sus países ’se hundirían en la arena’.”

La gente no se muestra muy dócil en la Plaza Tahrir.

Europa Press narra:

“Miles de manifestantes han llegado a la plaza de Tahrir, el epicentro de las movilizaciones que provocaron la renuncia del presidente del país, Hosni Mubarak, para reforzar a los que continúan en ese emplazamiento a pesar del intento de la Policía militar de desalojarles, según ha informado la cadena británica BBC.

“El corresponsal de la BBC destacado en la céntrica plaza cairota ha asegurado que el Ejército se está mostrando indeciso ante la llegada de nuevos manifestantes…”

“El ‘núcleo duro’ [...] está situado en una de las esquinas de la plaza. [...] han decidido permanecer en Tahrir [...] para asegurarse de que se cumplen todas sus reclamaciones.”

Con independencia de lo que ocurra en Egipto, uno de los problemas más graves que enfrenta el imperialismo en este instante es el déficit de cereales que analicé en la Reflexión del 19 de enero.

Estados Unidos emplea una parte importante del maíz que cultiva y un alto índice de su cosecha de soya a la producción de biocombustibles. Europa por su parte, emplea millones de hectáreas de tierra con ese propósito.

Por otro lado, como consecuencia del cambio climático originado fundamentalmente por los países desarrollados y ricos, se está creando un déficit de agua dulce y alimentos incompatible con el crecimiento de la población, a un ritmo que la conduciría a 9 mil millones de habitantes en apenas 30 años, sin que la Organización de Naciones Unidas y los gobiernos más influyentes del planeta, después de las defraudantes reuniones de Copenhague y Cancún, hayan advertido e informado al mundo de esa situación.

Apoyamos al pueblo egipcio y su valiente lucha por sus derechos políticos y la justicia social.

No estamos contra el pueblo de Israel, estamos contra el genocidio del pueblo palestino y a favor de su derecho a un Estado independiente.

No estamos a favor de la guerra, sino en favor de la paz entre todos los pueblos.

Fidel Castro Ruz

Febrero 13 de 2011

9 y 14 p.m.


http://www.cubadebate.cu/reflexiones-fidel/2011/02/14/la-rebelion-revolucionaria-en-egipto/



quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A Opção pelo calabouço

Sérgio Salomão Shecaira

http://wm.imguol.com/v1/blank.gifO mais importante traço dos últimos anos na esfera penal foi a substituição do Estado de bem-estar social pelo Estado de controle, em larga escala. Escolas, creches, hospitais e outros aparatos públicos foram trocados por prisões. Em 1994 o Brasil tinha cerca de 129 mil presos (índice de 88 presos por 100 mil habitantes). No final do ano passado, chegamos aos 500 mil (261 por 100 mil habitantes). A população brasileira (147 milhões de habitantes em 1994) evoluiu cerca de 29%, segundo dados do IBGE (191 milhões em 2010), enquanto a população carcerária chegou a um incremento de 390%!

Algumas dimensões da substituição do Estado de bem-estar pelo Estado de controle devem ser destacadas. Houve uma expansão vertical por meio da hiperinflação carcerária (meio milhão no Brasil); houve uma expansão horizontal de pessoas sob controle (milhares de pessoas cumprem penas alternativas em nosso país); há um crescimento notável de dotações orçamentárias prisionais em detrimento dos gastos sociais; há uma espécie de "ação afirmativa carcerária", isto é, pobres e negros estão mais representados na população carcerária do que a elite branca; houve uma universalização desse fen
ômeno, pois foi uma constante em várias nações.

http://wm.imguol.com/v1/blank.gifGrande parte desse grande encarceramento não se deveu ao aumento vertiginoso da criminalidade (que nos últimos anos chegou a decrescer em algumas esferas), mas, fundamentalmente, foi uma opção: punir mais. Legislações recentes criaram novos crimes, maximizaram penas de delitos já existentes, aumentaram as hipóteses de detenção provisórias (26% das pessoas encarceradas no Brasil aguardam julgamento), dificultaram a progressão de regime e o livramento condicional. Criou-se uma cultura punitiva. Muitos acreditam que a punição seja a solução para todos os males da humanidade.
Dois dos principais responsáveis legais por essa situação foram a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) e a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006). Do cotejo dessas leis com a Constituição Federal depreende-se que o tráfico de drogas é crime equiparado a hediondo e tem alguns gravames em relação a crimes comuns. Por isso, ao contrário do que acontecia nos anos 70 do século 20, quando quase 90% dos presos tinham cometido crimes patrimoniais (furto e roubo, principalmente), 20% dos atuais presos cometeram crimes de tráfico. No caso das mulheres, o número de encarceradas por tráfico é muito maior, chegando ao dobro de homens que cometeram o mesmo crime!
Pedro Abramovay, à frente da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, constatou esse fato com muita solidez. Além de programar inúmeros seminários, conclaves e congressos para ouvir a sociedade, fez estudos científicos significativos, por meio de pesquisas de largo alcance, para aquilatar o fen
ômeno. Criou a série de pesquisas empíricas, distribuídas tematicamente, chamando-as de Pensando o Direito.
Coube à UnB, em parceria com a UFRJ, verificar quem, como e quando era processado por tráfico de drogas. A constatação foi a seguinte: pobres eram mais condenados do que ricos e suas penas eram mais altas; negros estavam mais representados do que brancos no cometimento de crimes de tráfico, pelo principal fato de serem negros; a discriminação social era permanente na esfera da Justiça desses Estados (algo que ocorre em todo o Brasil). Quem era pobre/negro era visto como traficante. Quem era branco de classe média era visto como usuário. A rotulação individual produzia criminosos, conforme as representações sociais assim o determinavam. Traficantes não eram traficantes, mas aqueles que pareciam traficantes.
O STF também identificou essa questão, a seu modo. Passou a assegurar a possibilidade àquele que cometeu crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006 de obter penas restritivas de direitos, quando criminoso primário, sem antecedentes e sem envolvimento com organizações criminosas. Enfim, na hipótese do parágrafo 4º do artigo 33, em que a pena genericamente prevista pode ser diminuída em até 2/3, reconheceu-se a figura do "pequeno" traficante. Aquele que eventualmente pratica quaisquer das condutas descritas como tráfico não pode ter a mesma reprovabilidade daquele que comete um crime envolvido com organizações criminosas, fazendo disso seu sustento permanente.
O pecado de Pedro Abramovay foi defender que aquilo que já se sabe fosse transformado em lei. Já se sabe que a Justiça é discriminatória. Também se sabe que diferentes condutas, com gravidades diversas, são alcançadas pela alcunha de tráfico. Nada mais razoável, pois, que fazer da experiência anterior um instrumento de modificação legal. O passador eventual da droga não pode ter os mesmos gravames dos verdadeiros traficantes. Não se pode punir igualmente os desiguais, devendo eles ser considerados desiguais na medida de sua desigual conduta.
Não se combate a criminalidade com injustiças, mas sim com a Justiça. Um país que tem o ministério com tal nome tem que explicar o porquê da saída desse brilhante técnico e intelectual de seus quadros.


Sérgio Salomão Shecaira é professor titular da USP e ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça






sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

"Existe um grande caos abaixo do céu - a situação é excelente".

Egito por Slavoj Zizek: Por que temer o espírito revolucionário árabe?

de tirar o fôlego: eles publicamente defendem a democracia e agora, quando o povo se rebela contra os tiranos em nome de liberdade e justiça seculares, não em nome da religião, eles estão todos profundamente preocupados. Por que aflição, por que não alegria pelo fato de que se está dando uma chance à liberdade? Hoje, mais do que nunca, o antigo lema de Mao Tsé-Tung é pertinente: "Existe um grande caos abaixo do céu - a situação é excelente". O artigo é de Slavoj Zizek.

Slavoj Zizek

O que não pode deixar de saltar aos olhos nas revoltas Tunísia e Egito é a notável ausência do fundamentalismo islâmico. Na melhor tradição democrática secular, as pessoas simplesmente se revoltaram contra um regime opressivo, sua corrupção e pobreza, e demandaram liberdade e esperança econômica. A sabedoria cínica dos liberais ocidentais - de acordo com os quais, nos países árabes, o genuíno senso democrático é limitado a estreitas elites liberais enquanto que a vasta maioria só pode ser mobilizada através do fundamentalismo religioso ou do nacionalismo - se provou errada.

Quando um novo governo provisório foi nomeado na Tunísia, ele excluiu os islâmicos e a esquerda mais radical. A reação dos liberais presunçosos foi: bom, eles são basicamente a mesma coisa; dois extremos totalitários - mas as coisas são simples assim? O verdadeiro antagonismo de longa data não é precisamente entre islâmicos e a esquerda? Ainda que eles estejam momentaneamente unidos contra o regime, uma vez que se aproximam da vitória, a sua unidade se parte e eles se engajam numa luta mortal, frequentemente mais cruel do que aquela travada contra o inimigo comum.

Nós não testemunhamos precisamente tal luta depois das eleições no Irã? As centenas de milhares de apoiadores de Mousavi lutavam pelo sonho popular que sustentou a revolução de Khomeini: liberdade e justiça. Ainda que esse sonho tenha sido utópico, ele levou a uma explosão de criatividade política e social de tirar o fôlego, experiências de organização e debates entre estudantes e pessoas comuns. Essa abertura genuína, que liberou forças de transformação social então desconhecidas, um momento no qual tudo pareceu possível, foi então gradualmente sufocada pela dominação do controle político e do establishment islâmico.

Mesmo no caso de movimentos claramente fundamentalistas, é preciso ser cuidadoso para não perder de vista o componente social. O Talibã é usualmente apresentado como um grupo fundamentalista islâmico que impõe suas leis pelo terror. No entanto, quando, na primavera de 2009, eles tomaram o Vale de Swat no Paquistão, o The New York Times noticiou que eles arquitetaram "uma revolta de classe que explora profundas fissuras entre um pequeno grupo de ricos donos de terra e seus inquilinos desprovidos de um chão". Se, ao "se aproveitar" dos apuros dos agricultores, o Talibã estava criando, nas palavras do New York Times, "um alerta sobre os riscos ao Paquistão, que permanece sendo largamente feudal", o quê impediu os democratas liberais do Paquistão e dos Estados Unidos de, da mesma forma, "se aproveitarem" desses apuros e de tentarem ajudar os agricultores sem terra? Ocorre de as forças feudais no Paquistão serem aliados naturais da democracia liberal?

A conclusão inevitável a ser delineada é que a ascensão do islamismo radical sempre foi o outro lado do desaparecimento da esquerda secular nos países muçulmanos. Quando o Afeganistão é retratado como sendo o exemplo máximo de um país fundamentalista islâmico, quem ainda se lembra que, há quarenta anos atrás, ele era um país com uma forte tradição secular, incluindo um poderoso partido comunista que havia tomado o poder lá sem dependência da União Soviética? Para onde essa tradição secular foi?

É crucial analisar os eventos em andamento na Tunísia e no Egito (e no Iémen e ... talvez, com esperança, até na Arábia Saudita) em contraste com esse pano de fundo. Se a situação for eventualmente estabilizada de modo ao antigo regime sobreviver, apenas passando por alguma cirurgia cosmética liberal, isso irá gerar um intransponível retrocesso fundamentalista. Para que o legado chave do liberalismo sobreviva, os liberais precisam da ajuda fraternal da esquerda radical. De volta ao Egito, a mais vergonhosa e perigosamente oportunista reação foi aquela de Tony Blair noticiada na CNN: mudança se necessário, mas deverá ser uma mudança estável. Mudança estável no Egito, hoje, só pode significar um compromisso com as forças de Mubarak na forma de ligeiramente alargar o círculo do poder. Este é o motivo pelo qual é uma obscenidade falar em transição pacífica agora: pelo esmagamento da oposição, o próprio Mubarak tornou isso impossível. Depois de Mubarak enviar o exército contra os protestantes, a escolha se tornou clara: ou uma mudança cosmética na qual alguma coisa muda para que tudo continue na mesma, ou uma verdadeira ruptura.

Aqui, portanto, é o momento da verdade: ninguém pode arguir, como no caso da Argélia uma década atrás, que permitir eleições verdadeiramente livres equivale a entregar o poder para fundamentalistas islâmicos. Outra preocupação liberal é de que não existe poder político organizado para tomar o poder caso Mubarak parta. É claro que não existe; Mubarak se assegurou disso ao reduzir a oposição a ornamentos marginais, de forma que o resultado acaba sendo como o título do famoso romance de Agatha Christie, "E Então Não Havia Ninguém". O argumento de Mubarak - é ele ou o caos - é um argumento contra ele.

A hipocrisia dos liberais ocidentais é de tirar o fôlego: eles publicamente defendem a democracia e agora, quando o povo se rebela contra os tiranos em nome de liberdade e justiça seculares, não em nome da religião, eles estão todos profundamente preocupados. Por que aflição, por que não alegria pelo fato de que se está dando uma chance à liberdade? Hoje, mais do que nunca, o antigo lema de Mao Tsé-Tung é pertinente: "Existe um grande caos abaixo do céu - a situação é excelente".

Para onde, então, Mubarak deve ir? Aqui, a resposta também é clara: para Haia. Se existe um líder que merece sentar lá, é ele.

Slavoj Zizek


(*) Nota do Tradutor: o título original do livro de Agatha Christie é "And Then There Were None", conhecido aqui no Brasil como "O Caso dos Dez Negrinhos".

Referências feitas pelo autor:
http://www.guardian.co.uk/world/2010/feb/02/iran-mousavi-dictatorship-khameini-protests

http://www.nytimes.com/2009/04/17/world/asia/17pstan.html?_r=1

Fonte: http://www.guardian.co.uk