quarta-feira, 27 de abril de 2011

Caminhos Drommoondianos: famílias marcham contra despejo em Itabira

Centenas de moradores do Bairro Carlos Drummond, Itabira - MG, marcharam pelas principais ruas da cidade na segunda-feira, dia 25/04, para protestar contra o despejo iminente.
As mais de 300 famílias que vivem na comunidade há 11 anos receberam ordem do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Itabira para deixarem suas casas até o próximo dia 2 de Maio, segunda-feira. O Juiz convocou ainda todos os Oficiais de Justiça da Comarca para o cumprimento da ordem com uso de força policial.


A população saiu do Bairro Drummond em direção à Prefeitura e, antes mesmo de chegar ao seu destino, recebeu a notícia de que o Prefeito João Izael aguardava para receber uma comissão de representantes da comunidade, juntamente com o Bispo da Diocese de Itabira-Coronel Fabriciano.

Na reunião, os representantes do Bairro Drummond cobraram do Prefeito de Itabira que sejam tomadas medidas concretas para impedir o desalojamento forçado e que seja aberto o processo de negociação. Exigiu-se do Prefeito, dentre outras coisas, que o terreno seja imediatamente declarado de utilidade para fins de desapropriação, que o Município ingresse nos autos da Ação de Reintegração de Posse visando à suspensão da ordem judicial e que seja realizada reunião urgente com o Comando da Polícia Militar.

O Prefeito, por sua vez, comprometeu-se a buscar uma solução que não ofenda o direito das famílias, porém não assumiu nenhuma medida concreta imediata, apenas criou uma comissão integrada pelo Procurador do Município, pela Secretária de Ação Social e representantes da Comunidade para estudar o caso e apresentar propostas.
Desse modo, a população da comunidade que leva o nome do Grande Poeta Itabirano segue em luta, fortalecendo o processo de organização e consciência para resistir contra a intolerância dos poderosos.


Na próxima quinta-feira, dia 28/04, às 14:00 horas, no Sindicato dos Rodoviários (Av. Daniel Jardim Grizolia, nº. 120 - Itabira), será realizada Audiência Pública, convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, para tratar da grave situação do Bairro Drummond.
Veja AQUI a carta distribuída para mais de 10 mil pessoas explicando com mais detalhes o conflito social que envolve o Bairro Drummond.
Veja AQUI as fotos da marcha contra o despejo.

Veja também as FOTOS da ação política realizada no Bairro Drummond
durante o feriado prolongado de Páscoa, com a produção de camisas, lenços, bandeiras, formação política, assembléias, mutirões, cinema e muito trabalho de base.


- FRENTE PELA REFORMA URBANA -
BRIGADAS POPULARES
Pátria Livre! Poder Popular!
  • Porque o despejo das 300 famílias da Comunidade Carlos Drumond é ilegal, injusto e imoral:
1. A área ocupada descumpria a função social da propriedade prevista na Constituição, art. 5º, inc. XXIII;
2. Quando as famílias entraram no terreno não havia posse anterior exercida pelos proprietários para justificar a ordem de Reintegração de Posse contra as famílias do Bairro Drummond;
3. O processo de Reintegração de Posse, que tramitou mais de 10 anos na Justiça, possui inúmeras nulidades processuais;
4. A ordem dada pelo Juiz não delimita a área a ser reintegrada e isso é um dos pressupostos legais para o cumprimento da ordem;
5. A ordem de despejo também não diz nada a respeito do destino das mais de 300 famílias que estão em via de ser despejadas;
6. A dignidade da pessoa humana e o direito à moradia estão acima dos interesses dos supostos proprietários que jamais deram qualquer destinação econômica ou social ao terreno;
7. A Constituição e a legislação brasileira, a exemplo da Lei nº. 10.257/01 (Estatuto das Cidades) e da Lei nº 11.977/09 (Minha Casa, Minha Vida), prevêem vários instrumentos jurídicos que podem ser utilizados pelo Poder Público para solucionar dignamente o conflito;
8. O despejo forçado sem alternativas de reassentamento digno ou indenização ofende inúmeros tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é país signatário;
9. O despejo forçado com uso de força policial vai gerar violência e colocar em risco a integridade física das centenas de famílias que estão dispostas a resistir por suas casas humildemente construídas há mais de 10 anos;
10. O despejo não é a solução, pois não enfrenta o grave problema habitacional que a cidade de Itabira vive atualmente.
-- Frente pela Reforma Urbana - Brigadas Populares -

e pela Juventude que vem nascendo nessa barriga!

Contra a Redução da Maioridade Penal!


quinta-feira, 7 de abril de 2011

"O dia em que o morro descer e não for carnaval"


Posicionamento do DAR sobre mais esta etapa de guerra às drogas no RJ

29/11/2010 13 COMENTÁRIOS

O dia que o morro descer e não for carnaval” *

Enquanto anônimos ninguéns seguem chorando a perda dos seus, a mídia brasileira louva uma pacificação feita com tanques e sangues

Coletivo DAR

“As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura. Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos: Que não são, embora sejam. Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não têm cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.” Eduardo Galeano

Enquanto anônimos ninguéns seguem chorando a perda dos seus, a mídia brasileira louva uma pacificação feita com tanques e sangues. Depois de uma eleição na qual botou as mangas de fora, o conservadorismo brasileiro agora parece não ter mais a menor vergonha em se manter fora do armário. E pudera, ele é maioria neste “consenso forjado” dia a dia pelas antenas e palavras dos de cima (e que infelizmente encontram muito eco nas famílias, escolas e igrejas dos de baixo).

Recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostrou que ateus e usuários de drogas são os estereótipos mais rejeitados pelo brasileiro. 35% das pessoas disse que usuários de drogas são o tipo de pessoa que menos gostam de encontrar, sendo que 17% afirmam ter “repulsa ou ódio” e 24% “antipatia” por este tipo tão perigoso de ser humano. Em mais esta etapa de décadas da fracassada “guerra às drogas”, novamente consumidores e substâncias sem vida são eleitos como responsáveis pela violência que assola nosso país, em especial uma de nossas cidades mais maravilhosas.

O país cresce, e há certa melhora visível na vida de setores mais pobres. “Um real a mais no salário, esmola de patrão cuzão milionário”, já cantavam os Racionais MC’s, fechando com chave de ouro: “Ser escravo do dinheiro é isso, fulano/ 360 dias por ano sem plano/ Se a escravidão acabar pra você/ Vai viver de quem? Vai viver de quê?”. Ao mesmo tempo em que cresce a economia e os lucros dos de cima, aumenta a repressão aos que insistem em reclamar por estarem por baixo. 500 anos e não se conformaram?

Foi exatamente quando a escravidão formalmente acabou que os negros começaram a formar estas periferias que são periferia em qualquer lugar, como ensina o rapper brasiliense Gog sampleado pelo Racionais na música citada. Sem acesso à propriedade da terra por conta da Lei de Terras elaborada para garantir os donos de escravos diante do inevitável final dessa modalidade de exploração, não restou alternativa aos recém libertos senão começarem a se amontoar nas áreas menos propícias à moradia das cidades brasileiras. De lá pra cá pouco mudou: os capitães do mato agora usam farda, os senhores de engenho comandam empresas, bancos e governos; para os de baixo, o que segue ditando seu disciplinamento é o chicote, agora made in USA.

“Hey senhor de engenho eu sei quem você é, sozinho cê num guenta, sozinho cê num entra a pé”. Sozinho eles não guentam, então para garantirem seus lucros na Copa e nas Olimpíadas mandam que seus assassinos fardados treinados no Haiti subam o morro, e “pacifiquem” a cidade. A paz pode custar quantas vidas forem necessárias. A disputa é por território e por controle social, e o tempo está passando. Quem tem mais peso no momento da decisão das políticas públicas, setores empresariais e imobiliários que já estão ganhando milhões com os mega-eventos no Brasil ou os ninguéns?

Na mesma Periferia é periferia em qualquer lugar, Edi Rock canta que “O vício tem dois lados/ Depende disso ou daquilo,então tá tudo errado/ Eu não vou ficar do lado de ninguém, por quê? Quem vende droga pra quem? Hã!/Vem pra cá de avião ou pelo porto ou cais./Não conheço pobre dono de aeroporto e mais./Fico triste por saber e ver/Que quem morre no dia a dia é igual a eu e a você”. Se o combate fosse contra “a droga” – este ente maligno que quando ilegal corrompe a sociedade e quando legal usa o corpo das mulheres para lucrar sempre mais – obviamente ele não poderia centrar-se no lado debaixo da cadeia, no comércio varejista. A imensa maioria dos lucros do tráfico está no sistema financeiro internacional, está na indústria de armas, está nos políticos e juízes corruptos. Aos varejistas e aos policiais corruptos, resta arriscar a vida para disputar as migalhas. Num país tão desigual e injusto, elas não são pouca coisa.

Tráfico de drogas existe em todo o mundo, e seguirá existindo enquanto algumas drogas forem proibidas. A demanda existe e sempre existirá, não cabe ao Estado intervir na vida privada de seus cidadãos, e eles silenciosamente resistem a isso simplesmente seguindo com o consumo que escolheram. Mas o tráfico é mais violento exatamente onde a sociedade é mais desigual, e nesse quesito podemos nos orgulhar, Brasil-il-il, no topo do ranking. Alijados até mesmo do exército de reserva que antes organizava os moradores da favela, às vezes sem chance nem mesmo no mercado informal que rege nossa economia, diante de um Estado que interage com eles somente com a polícia, estes jovens moradores dos morros e periferias há muito perceberam que isto que lhe oferecem como vida não é muito para se colocar em risco em troca de oportunidades melhores. Morre um, já tem mais cinco na fila, ou alguém já ouviu dizer de escravos trabalhando no tráfico? Em certas fazendas de deputados, sim, existe este tipo de mão de obra, mas no comércio de drogas muitas vezes há mais demanda do que postos de trabalho, e isso não pode ser resultado da loucura desses jovens.

O chamado “crime organizado” sabidamente não é tão organizado assim, sua força e organização são superestimadas pelos que necessitam de “inimigos internos” para manter a escalada de repressão seletiva. E assim como o crack é produto da proibição das drogas (fruto da repressão à cocaína e da ausência de preocupação do mercado ilegal com a qualidade do que vendem), os comandos são produto do Estado brasileiro. Nasceram das indignantes condições dos presídios brasileiros, e se espalharam para fora de seus muros pela igualmente humilhante condição de vida da população pobre e pelas constantes agressões de uma polícia assassina e racista.

A proibição das drogas criou a ilegalidade deste mercado, e consequentemente fez com que a violência fosse a instância que rege essas transações comerciais que não diferem em nada do que fazem uma padaria ou uma farmácia. A desigualdade social potencializa a violência, e potencializa também o papel coercitivo do Estado, seu lado penal. “Ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco”. A violência estatal tem suas facetas mais descaradamente assassinas, como o Bope, e às vezes busca legitimar-se frente à sociedade por estratégias menos ostensivas, mesmo que ainda obviamente militares e em desacordo com os direitos humanos, como é o caso das UPP’s.

Espanta é que a opinião pública compre – e é disso que se trata, de venda de posicionamentos e preconceitos – a versão de que componentes do problema, como Bope e UPP, sejam instrumento da solução. Para coroar, o exército é chamado para finalmente implementar o que vem treinando há anos nos corpos e periferias do Haiti.

Espanta é que um governo federal de um partido que ainda se diz de esquerda (mesmo que cada vez com menos ênfase) suporte e promova este tipo de estratégias, apoiando programas como as UPP’s e a presença militar no Haiti e também governantes como o genocida Sérgio Cabral e sua trupe.

Espanta é que alguém ainda leve a sério meios de comunicação que apoiaram e cresceram com o Golpe Militar de 1964, e que de lá pra cá participaram de uma série de manipulações eleitorais e promovem diariamente preconceitos de gênero, orientação sexual e classe em seus produtos de entretenimento e informação. Sensacionalismo que mostra cenas, fatos, mas não explica por que eles existem, por que eles estão lá. Como duas facções que até pouco tempo se matavam estão juntas? Quem são os “bandidos”, os “traficantes”? Um corpo só? O maniqueísmo é a única ferramenta que eles têm para manter a dissimulação.

Espanta que depois de 40 anos de guerra às drogas made in USA, quando o mundo todo busca alternativas ao fracasso proibicionista, a guerra seja novamente propagandeada como instrumento de paz. Realmente, se ainda há razão em nossa sociedade, falta muito para que ela se desentorpeça. (leia “A Razão Entorpecida”, da ex-juíza Maria Lúcia Karam)

* música de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro

Sobre os recentes acontecimentos no Rio de Janeiro, confira também:

- “Violência no Rio: a farsa e a geopolítica do crime”, do sociólogo José Cláudio Souza Alves.

- Entrevista do deputado Marcelo Freixo (PSOL) no Terra Magazine

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4. Dica Do DAR (DDD) – Seminário sobre encarceramento em massa + análise sobre Rio e UPPs

5. Grupo de teatro promove debate sobre prisão nas ruínas do Carandiru

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7. Abusos da polícia nas operações do RJ

8. A insustentável guerra às drogas

http://coletivodar.org/2010/11/posicionamento-do-dar-sobre-mais-esta-etapa-da-guerra-as-drogas-no-rj/

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Lar ameaçado em Belo Horizonte


LAR AMEAÇADO EM BELO HORIZONTE

(Publicado no Jornal Brasil de Fato, edição n. 422, de 31/3 a 06/04/2011, p. 4.)

Comunidades em Belo Horizonte sofrem risco de despejo

Por Carina Santos

Cerca de 1.200 famílias das Ocupações Camilo Torres, Dandara e Irmã Dorothy vêem cada vez mais perto a possibilidade de perderem suas casas. O momento é de fortalecer a luta, ampliar a rede de apoiadores e cobrar diálogo do poder público: “Por uma cidade onde caibam todos e todas”.

Camilo Torres foi um padre guerrilheiro que aplicou o sentido do amor e revolução à luta pela libertação da Colômbia. Morreu em combate, em subversão ao poder do conservadorismo e da desigualdade social. Dandara é lembrada como uma das primeiras mulheres a se rebelar contra o sistema escravocrata no Brasil, guerreira do Quilombo de Palmares, ao lado de seu companheiro Zumbi, dedicou-se a sustentar e planejar estratégias de defesa do Quilombo. Irma Dorothy era uma religiosa estadunidense que, nas encruzilhadas destes latifúndios brasileiros, despertou a consciência de vários trabalhadores rurais, criticando a pobreza e a exploração. Foi assassinada no estado do Pará, a mando daqueles que vêem na terra só mais uma fonte inesgotável do lucro.

Sem dúvida, esses lutadores fazem parte do nosso histórico de luta e nos reacende a indignação com a exploração. Mas nos dia de hoje, o lutador Camilo torres e as lutadoras Dandara e Irmã Dorothy também simbolizam a força e a resistência de milhares de sem-teto. Dão nome às três ocupações ameaçadas de despejo, na capital Belo Horizonte, Minas Gerais.

São cerca de 6.000 pessoas vítimas de uma das mais graves contradições de nossa sociedade: “muita gente sem casa e muita casa sem gente”. O direito à moradia, inscrito no artigo 6° da Constituição, não é efetivado e cada vez mais se agrava o fenômeno da segregação sócio-espacial com a expulsão dos pobres para áreas cada vez mais periféricas. Segundo pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro, a cidade de Belo Horizonte tem um déficit de 55 mil unidades habitacionais. E o número aumenta para 173 mil quando falamos da Região Metropolitana. A mesma pesquisa aponta um dado preocupante: na mesma cidade, há mais de 70 mil imóveis abandonados, que não cumprem a função social, conforme prescreve a Constituição.

Joviano Mayer, militante da Frente de Reforma Urbana das Brigadas Populares, enfatiza ainda que no Brasil, segundo dados do próprio governo, a falta de moradia atinge mais de oito milhões de famílias. “São brasileiros e brasileiras que vivem nas ruas, moram de favor, em áreas de alto risco, ou que utilizam grande parte da renda familiar para pagar aluguel em prejuízo das necessidades básicas”, afirma.

Em um cenário em que moradia se torna mercadoria, não restou outra saída às centenas de famílias que hoje vivem nessas ocupações. É o caso da soldadora Joelma Pereira da Rocha, moradora da ocupação Camilo Torres, na região do Barreiro. Ela afirma que não tinha condições financeiras de sustentar o alto valor do aluguel; percebeu na ocupação uma possibilidade de ter acesso à moradia. “Só quando saí do aluguel pude dar uma alimentação decente para meus filhos. É aqui que conseguimos construir um teto e viver dignamente. E a ocupação também é um lugar onde nós aprendemos outros valores de vida: mudou minha forma de agir, de enxergar a luta, de educar meus filhos. Busco conhecer mais o dia a dia da sociedade e pensar como coletivo”, conta.

Joelma ainda critica a forma como o poder público enxerga a ocupação e age com relação aos moradores. “Aqui era um terreno baldio, que não servia pra nada. A função social está na Constituição e hoje quem está cumprindo ela somos nós. Hoje este terreno tem uma verdadeira função; e isso o governo não pode negar”, explica.

O apoiador Frei Gilvander Moreira, que acompanha desde o início a construção das ocupações, também reflete sobre a situação. “Os conflitos internos são dirimidos e mediados pelas lideranças locais, quase sempre sem intervenção da força policial. Tratam-se de Comunidades pacíficas em que a organização popular permitiu o estabelecimento de fortes vínculos de solidariedade, conscientização, disciplina e compromisso social”, defende.

Uma outra voz relata com indignação a forma como os governos municipal e estadual tratam o caso. Mas desta vez a voz é da dona de casa Leila Maria de Carvalho, moradora da comunidade Dandara; ocupação na região da Pampulha, que traz o marco da maior ocupação em Minas: quase mil famílias morando em um terreno de cerca de 40 hectares . Dona Leila fala na porta de seu barracão de dois cômodos, localizado entre as ruas “Paulo Freire” e “Quilombos”: ruas nomeadas dentro de um projeto urbanístico pensado e executado especificamente para a ocupação. Segundo Dona Leila, aqueles que querem criticar a ocupação falam que eles estão errados, que estão criando mais uma favela; mas de acordo com ela, a ocupação é uma verdadeira comunidade; onde há organização, divisão dos lotes, ruas e busca do espaço comum. “O poder público tinha que estar do nosso lado e não contra a gente. Mas o poder que fala mais alto é o do dinheiro. Sabem que aqui é muito lucrativo para eles e por isso querem nos tirar daqui. Por isso é necessário resistir com organização”, destaca.

A moradia conquistada por Joelma e Leila, assim como de quase seis mil pessoas, está ameaçada por uma ação do próprio poder público. A situação é delicada, porque em conseqüência do tramite judicial e da posição contrária da Prefeitura e do Estado de Minas Gerais; o despejo das três ocupações é esperado. De acordo com o advogado e professor Fábio Alves, que atua no caso das três ocupações, dentro dos limites da Justiça, foi feito tudo para poder adiar o despejo. Explica que judicialmente as ocupações estão “perdendo no jogo”, já que todas as decisões até agora garantem a reintegração de posse.

Fábio explica que essas decisões muitas vezes atropelam critérios da própria lei, como no caso do processo da ocupação Camilo Torres: “Na petição inicial da Vitor Pneus, empresa que reivindica a propriedade do terreno, a referência à área é vaga. Não se atende aos requisitos legais de perfeita individualização da área a ser reintegrada na posse. Sequer croqui da área fora juntado com a inicial. Impossível, pois, o cumprimento do Mandado de Reintegração de Posse sem a presença deste requisito”, detalha.

Segundo o advogado e também professor da PUC Minas, é lamentável que essas decisões estejam sendo tomadas em liminar; o ideal era que houvesse audiência de justificação de posse; para que as provas sejam, de fato, apresentadas. “Mas o Judiciário age com preconceito em relação aos pobres”, reafirma.

Assim como no caso da ocupação Camilo Torres, o terreno referente à ocupação Irmã Dorothy também pertencia ao Estado de Minas Gerais, através da Companhia de Distritos Industriais, atual CODEMIG. Ambos imóveis foram transferidos para bem particular; o que reflete uma irregularidade do Estado e aumenta a indignação dos moradores. “É um absurdo o governo não usar esses bens para o interesse do povo; as empresas falam que são donas; mas não faziam nada no lugar; os terrenos estavam totalmente abandonados e nós precisando de um lugar para morar”, destaca Joelma, moradora da Camilo Torres.

No caso da Dandara, Fábio Alves explica que as famílias que ocupam a área são provenientes de favelas, do aluguel ou da moradia “de favor”. “Estavam jogadas na exclusão. A política habitacional adotada pelo município de Belo Horizonte jamais as alcançou. Igualmente se diga da política habitacional do Estado de Minas Gerais, que, nos últimos 20 anos, jamais construiu uma só casa para população de baixa renda em Belo Horizonte”, pontua. Conta que no processo da Dandara, a liminar de reintegração de posse em favor da Construtora Modelo (empresa que reivindica posse) ainda não foi cumprida em decorrência de providências jurídicas tomadas. A perspectiva, porém, é de que, mais cedo ou mais tarde, haja a expedição do mandado reintegratório de posse.

Em comunicado, as Brigadas Populares, organização que fez parte da construção das três ocupações, colocou críticas com relação à possibilidade do despejo:

(...) o Tribunal de Justiça não deve tratar um problema social desta natureza com soluções jurídicas artificiais. O simples encaminhamento do despejo não resolve o conflito, apenas o coloca em um patamar mais elevado, no qual as soluções são mais difíceis, inclusive com o risco de perdas humanas e danos físicos e psicológicos irreparáveis. Nem o Judiciário, nem o Comando da Polícia Militar de Minas Gerais, tem o dever constitucional de promover massacres em nome da propriedade que, aliás, violava o princípio da função social. Mesmo porque existem outras saídas, envolvendo o Poder Público e suas instituições, que podem de fato atuar positivamente na resolução do conflito.

(...) O governador de Minas Antônio Anastasia (PSDB) e o prefeito de Belo Horizonte Márcio Lacerda (PSB) são responsáveis diretos pelo destino das centenas de famílias prestes a serem despejadas, em razão de decisões judiciais sem amparo constitucional.

O momento é de dar a maior visibilidade possível ao caso e reivindicar uma saída para o conflito, que não passe pela arbitrariedade do despejo, coloca o advogado Fábio Alves. Segundo ele, a rede de apoio tem um papel fundamental neste momento.

Na própria capital foi organizado no ano passado o “Fórum Permanente de Solidariedade às Ocupações”, espaço que aglutina movimentos, entidades e cidadãos que apóiam a luta e mantém uma freqüência para acompanhar as ações das comunidades e as campanhas “anti-despejo”. Fábio também destaca a importância do apoio internacional. Explica que por dia são recebidas mais de dez mensagens de apoio de organizações internacionais de países como Suécia, Espanha, Portugal e França; uma das entidades que tem mantido apoio e se posicionando contra a possibilidade dos despejos é a “ATD Quarto Mundo”, organização não governamental com assento na ONU, voltada à garantia dos direitos humanos e erradicação da pobreza.

Elaine Andrade da Silva, também moradora da ocupação Camilo Torres, reafirma o papel dos apoiadores neste momento. “Para evitar que aconteça o pior, neste caso o despejo, pedimos mesmo o apoio do maior numero de pessoas; assim é possível fortalecer a resistência”.

A situação indigna os moradores, mas a disposição em manter a luta é forte. Para Dona Leila, moradora da Dandara, é revoltante pensar que uma decisão desta pode jogar tantas famílias na rua.“Preocupo-me com o futuro dos jovens daqui. Aqui, amadurecemos nossa luta e nos despertou correr atrás dos nossos objetivos. É triste pensar que de um dia pro outro eles podem chegar e destruir tudo que construímos com tanto sacrifício”, lamenta. O mesmo sentimento é de Joelma, que relembra que em fevereiro, comemorou-se três anos da ocupação Camilo Torres. “Tudo que foi levantado, foi graças à ação dos moradores. Nós que construímos nossas casas, mantemos a limpeza, a organização da rua, a ligação da água e luz. Enfrentamos sol, chuva, polícia. Às vezes chego do trabalho e penso que no dia seguinte eu e meus filhos poderemos estar na rua. É triste. Por isso a necessidade da gente buscar levar essa luta até o fim, para termos o direito à nossa casa”.

Frei Gilvander Moreira explica ainda que pelas três comunidades já passaram dezenas de turmas de estudantes, professores, religiosos de diversas congregações, ativistas brasileiros e estrangeiros, territórios que têm sido um importante exemplo de resistência e organização popular.“Despejá-las jamais será a solução. O caminho é dialogar e encontrar propostas para manter as famílias nas comunidades onde já construíram quase todas suas casas. É o que esperamos. A luta pela construção de uma sociedade que caiba todos é árdua, mas necessária e sublime. Vamos seguir plantando caqui, a única planta que sobreviveu no território de Hiroshima, após a bomba atômica jogada lá.”

Retranca

Dona Célia: uma das guerreiras de Dandara, trilha caminhos na luta pela moradia

Moradora da ocupação Dandara recebe prêmio de Direitos Humanos, pelo Estado de Minas de Gerais, mas reafirma que o verdadeiro sentido do direito tem que se voltar à população pobre.

Ela me recebeu na manhã de um domingo de muito sol. A luz entrava forte em seu barracão de um cômodo, construído com a ajuda do filho e do cunhado. Estava vestida com a blusa que traz um apelo no atual momento das ocupações: “Negociação, sim; despejo, não”. A moradora que faz parte da comunidade Dandara, desde seu início, abril de 2008, representa muito a realidade brasileira: mulher, negra, sem-teto, por muitos anos sobrevivendo na informalidade. Senta para relatar o prêmio que recebeu por representantes do Estado; mas não alivia sua fala quando o assunto é a luta pelos reais direitos da população.

“Quem é essa mulher? A maioria não deve conhecê-la, mas se perguntarem num certo Céu Azul, na Comunidade Dandara, em Belo Horizonte, MG, certamente vão logo responder: Dona Célia Maria dos Santos Pereira? Mora ali no barraco da frente, bem na entrada da Comunidade Dandara, na Rua Zilda Arns, segundo barraco da esquerda de quem desce, grudado no barraco da filha Ideslaine casada com o Zezinho.”

Foram com essas palavras que os apoiadores das ocupações, Frei Gilvander Moreira e a educadora social “Sãozinha”, iniciaram uma carta para apresentar Dona Célia à Comissão da Comenda da Paz Chico Xavier, que homenageia pessoas que se destacam na promoção da paz, por meio de movimentos de combate à fome e a miséria, políticas voltadas para o desenvolvimento da educação, do fortalecimento da família, entre outras contribuições.

A dona de casa Célia Maria recebeu a medalha no último dia 25 de março, na cidade de Uberaba, região do Triângulo Mineiro. Conta que foi muito emocionante poder representar toda essa luta, ainda mais depois de tanta discriminação. “Não representou algo individual, ou orgulho pessoal. Esse prêmio representa a luta das ocupações, mais um espaço, mesmo que dentro do Estado, para mostrar o quanto é digna e necessária nossa resistência”, explica.

Para Dona Célia, esse momento ajudou para sensibilizar as autoridades mineiras com relação ao problema habitacional. “Somos tratados como insetos pelo Estado, eles passam por cima dos nossos direitos e necessidades. Por isso é preciso a união: as pessoas juntas e organizadas jamais serão vencidas”, ressalta.

Dona Célia reflete o quanto a questão dos Direitos Humanos tem que avançar. Para ela, Direitos Humanos só existiraõ de fato quando atenderem à realidade dos pobres; os que nesta sociedade são vítimas do racismo, preconceito e da falta de direitos básicos.

Realidade da Ocupação

Dona Célia destaca o quanto o risco atual do despejo move ainda mais a necessidade de lutar.“A Dandara nos trouxe muito conhecimento, foi construída com braços firmes. Hoje aqui temos programa de alfabetização, mobilização das mulheres, atuação da pastoral da criança e projeto de uma igreja ecumênica, além de outras formas de organização. Somos uma comunidade”, afirma.

Conta que na cerimômia em Uberada procurou questionar as autoridades presentes: “Se eu devesse anos e mais anos de imposto ao Estado; será que eu teria direito à propriedade, assim como a construtora dona do terreno está tendo? É muita injustiça”.

Dona Célia encerra a entrevista dizendo o quanto sabe que a luta não pode ser de um só.“Antes eu lutava, sobrevivendo. Hoje sei que é necessário estar junto do outro, da outra; assim venceremos”.

Sugestão de boxes:

1 - Breve Histórico das Ocupações

1.1 - Camilo Torres

Surgimento: fevereiro de 2008. Fruto da articulação entre as organizações Brigadas Populares e Fórum de Moradia do Barreiro

Número de famílias: 142

Área: 12.230 m²

Situação Jurídica: Mandado de despejo já expedido. O terreno pertencia ao Estado de Minas Gerais e foi irregularmente transferido a empresa particular, na década de 1990, para realização de empreendimento industrial na área. Nada foi feito desde então. Em reuniões promovidas pela Polícia Militar, visando o cumprimento da ordem judicial, a empresa Vítor Pneus e o Município de Belo Horizonte (parte do terreno pertence ao Município) têm se mostrado intransigentes. Pleiteiam o desalojamento das famílias, sem que se ofereça uma solução digna para as famílias. Não oferecem nem abrigo para as crianças, idosos e enfermos ali vivendo. Asseguram, temporariamente, depósito para os bens móveis.

1.2 - Dandara

Surgimento: abril de 2009. Fruto da articulação entre Brigadas Populares, Fórum de Moradia do Barreiro e MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

Número de famílias: 887

Área do Terreno: 400 mil m²

Situação jurídica: Mandado de Segurança impetrado em favor das famílias está pendente de Recurso Ordinário no STJ. Um dos proprietários da Construtora Modelo afirmou que pretende implantar na área o Programa Minha Casa, Minha Vida. Em reunião com o Ministério Público – Promotoria de Habitação e Urbanismo – os moradores disseram aceitar verticalização nas bordas da comunidade para contemplar famílias cadastradas pela prefeitura. Verticalizar integralmente a Dandara não dá para aceitar, pois o Programa Vila Viva, que verticaliza favelas, está numa crise profunda. A Prefeitura de Belo Horizonte, porém, recusa-se a emprestar qualquer apoio a uma saída negociada para Dandara, mesmo sabendo que disporia de recursos federais para este fim. A Prefeitura de Belo Horizonte já procedeu ao cadastramento das famílias que se encontram na Dandara, quase todas em casas de alvenaria.

1.3 - Irmã Dorothy

Surgimento: entrada massiva em março de 2010, pois já havia algumas famílias ocupando a área. Fruto da articulação entre Brigadas Populares e Fórum de Moradia do Barreiro.

Número de famílias: 135 famílias

Área do terreno: 15 mil m²

Situação jurídica: Em julho de 2010, a Comunidade Irmã Dorothy representou ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, noticiando a irregularidade na transferência do bem público para particular. A Representação foi recebida pessoalmente pelo Sr. Procurador Geral de Justiça. O Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública, ainda em tramite no Tribunal de Justiça, questionando essas transferências irregulares relativas ao imóvel onde se localiza a comunidade. O mesmo foi feito com relação à área da Comunidade Camilo Torres. Ainda em julho de 2010, a Comunidade Irmã Dorothy representou ao Ministério Público Federal, noticiando as mesmas irregularidades. Foi instaurado um Inquérito Civil Público, a fim de apurar os fatos e, inclusive, a ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. O mandado de reintegração de posse já foi expedido.

2 – Propostas das comunidades

1. No caso das ocupações Camilo Torres e Irmã Dorothy, que o Estado de Minas Gerais, através do governador Antonio Anastasia, tome todas as medidas cabíveis e urgentes para reverter ao patrimônio público as referidas áreas. E, ainda, que se busque junto ao Poder Judiciário a suspensão de toda e qualquer medida liminar de reintegração de posse, até que as medidas a serem tomadas pelo Estado cheguem a seu termo, inclusive com a participação do Ministério Público.

2. No caso da Comunidade Dandara, a saída mais viável é a desapropriação por interesse social, fazendo compensação entre as dívidas de IPTU com o valor da indenização a ser paga pelo Poder Público. Já existe na Câmara Municipal Projeto de Lei proposto pelo Vereador Adriano Ventura (PT) prevendo a desapropriação do imóvel onde se localiza a Dandara para fins de política habitacional popular

3. No caso de serem construídas unidades habitacionais nas áreas, financiadas pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, que sejam as famílias das comunidades contempladas com referidas unidades habitacionais.

4. Que se constitua uma Comissão de Negociação, formada com representantes do Estado de Minas Gerais, da Prefeitura de Belo Horizonte, da Arquidiocese de Belo Horizonte, da Defensoria Pública, do Ministério das Cidades e das Comunidades, com o fim de, pelo diálogo, se buscar uma solução justa e digna para o conflito.