quarta-feira, 28 de setembro de 2011

"Respeito aos trabalhadores"


Questionados os professores do Estado de Minas Gerais sobre o fato de estarem fazendo uma greve política, eles responderam que a greve era pelo salário digno, pelo piso garantido por lei, por direitos de trabalhadores.
Acaso todo ato do ser humano não fosse um ato político, e bem diria o estandarte levantado pelos mesmos professores: "Educar é um ato político".
A ironia maior é ter que provar: sem imprensa, sem notícia, sem lugar na mídia, que o que se quer não é nada mais que um direito garantido, conquistado. Os professores estão conseguindo, mesmo com abstenções, mesmo com mentiras! A cidade foi mais uma vez ocupada e não tem jeito, a cidade é local do conflito! Conflitos de todos os níveis, neste caso, do conflito político! Da batalha das ideias! Acaso assim não fosse o que explicaria milhares de trabalhadores juntos? Como se define o movimento estudantil colocando palavras de ordem juntamente com os professores? Uma voz uníssona de muitos setores, mostrando a possibilidade da unidade pelo que nos é comum: o trabalho. O título é do professor, em greve de fome pelo seu direito ele lembra que "se pudesse falar ao governador pediria respeito não somente aos professores, mas aos trabalhadores"
Os trabalhadores de Minas avançam na contramão da política mau cheirosa, bem lembrada na foto. E ainda temos caminhos a seguir, trabalhadores dos correios e outros mais ainda em greve, nenhum passo atrás! Que a vitória seja mesmo de todos! Todos os trabalhadores e trabalhadores!
Laila, militante da Frente de Juventude das Brigadas Populares.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Vândalos, bandidos, criminosos!

por Silvio Caccia Bava

É com essas palavras que a grande imprensa brasileira qualifica as revoltas juvenis de Londres, ecoando o surpreendente discurso do governo inglês, que as tratou como um caso de polícia e os manifestantes como criminosos. Nesta mesma toada estão sendo interpretadas as últimas grandes manifestações da juventude chilena, que saiu às ruas em centenas de milhares de pessoas, enfrentando a polícia com pedras, paus, coquetéis molotov, quebrando vidraças e ateando fogo em veículos.

É um endurecimento sem precedentes. No caso da Inglaterra, nenhuma das questões sociais que levaram esses jovens a um estado de revolta foi considerada. O argumento de transgressão da ordem, da prática de atos criminosos – o foco nos saques de estabelecimentos comerciais que vendem os ícones de consumo como telefones, ipads, computadores, roupas e calçados de grife, no incêndio de veículos – pretende dissociar estes atos do contexto em que ocorrem e criminalizar as manifestações e seus participantes.

Para esse comportamento, a resposta do Estado é a proibição das manifestações públicas, proibição da ocupação de praças, repressão, prisões, intimidação. Chegamos ao cúmulo de ver a justiça inglesa condenar a quatro anos de prisão dois jovens, de 20 e 21 anos, por convocarem através de seus telefones manifestações que, aliás, não ocorreram.

O tratamento dado pelos governos a essas manifestações, por meio da polícia e do judiciário, e a linha editorial dos jornais da grande imprensa, tanto inglesa quanto brasileira, reforça esse tipo de julgamento que associa tais atos a vandalismo, prefiguram tempos mais difíceis e mostram o quanto o sistema político e a grande mídia optaram não pelo diálogo com os manifestantes, mas por uma linha dura que não se dispõe a negociar ou ouvir as demandas que geram essas manifestações.

No caso das ações na Inglaterra, isso ocorre num contexto de crise financeira que envolve todo o continente, com os novos ajustes, dito claramente, cortes nas políticas públicas que todos os governos europeus estão fazendo, num momento em que acabou-se o Estado de bem-estar social e o desemprego cresce, a imigração é criminalizada, as políticas de proteção social cada vez mais se fragilizam. E a população mais pobre, isto é, as maiorias, verão sua existência ainda mais precarizada.

Neste novo cenário é previsível que ocorram por toda a Europa manifestações, como já são registradas em diferentes intensidades, na Grécia, na Espanha, na França, na Inglaterra. E o governo inglês sinaliza que, se houver novos protestos, eles serão reprimidos. Serão estes indícios de como os demais Estados tratarão a questão social?

Tratar essas mobilizações e revoltas juvenis que se espalharam por várias cidades como atos criminosos é negar-lhes o direito ao discurso.

Foi muito parecido o que aconteceu em Paris, em 2005. Estes mesmos jovens negros, moradores dos bairros mais pobres, foram vítimas da ação intimidatória do policiamento ostensivo. Um grupo deles, tentando escapar das humilhações, fugiu de uma abordagem da polícia. Três deles se esconderam em uma área de alta tensão de energia elétrica e morreram eletrocutados ou em decorrência das queimaduras. Esse momento foi a faísca que incendiou um contexto vivido por toda parte. E os jovens se revoltaram contra a morte de três colegas e, por toda a cidade, atearam fogo em 10 mil carros.

Afinal, o que eles querem? Alguém perguntou? Eles precisam quebrar mais para ser ouvidos?

A história das discriminações e violências cotidianas que sofrem esses jovens, pobres, na maioria negros, sem futuro, também não conta na análise dos últimos acontecimentos na Inglaterra. Foi aí, nos bairros mais pobres e precários, que começou a revolta. Aí, justamente em Totenham, onde o governo está cortando 75% das verbas para as políticas sociais para a juventude e endurecendo o policiamento ostensivo.

O que surpreende ainda mais é certa adesão popular a esse discurso de criminalização dos movimentos sociais, esse apoio para tratar como bandidos os participantes das revoltas. Mas para que esse apoio ocorra e as questões sociais sejam ignoradas, é preciso “informar” a opinião pública, papel em que a televisão e os jornais têm enorme importância.

Talvez porque tais revoltas não tenham conseguido expressar sua cara humana, dizer a que vêm, quais são suas demandas, talvez porque os cidadãos desconheçam essas práticas ou tenham lido e ouvido insistentemente os mesmos argumentos, esses jovens estão sendo tratados como criminosos. O governo traça uma linha de segregação e repressão que só pode levar a uma maior polarização da conjuntura. Se a repressão for eficiente agora para desmobilizar os descontentes, ela apenas adia o momento de novas explosões.

Vale nos perguntarmos aonde nos leva esse caminho. Vale nos perguntarmos a quem interessa implantar o domínio do medo. Vale nos perguntarmos que papel tem tido a mídia na formação da opinião pública sobre esses acontecimentos.

Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.


http://diplomatique.uol.com.br/editorial.php?edicao=50











terça-feira, 13 de setembro de 2011

''A polícia do Rio é a que mais mata no mundo''




Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

Vera Malaguti Batista é secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia, embora esclareça que tem uma formação “mais social que judicial”. Esteve na Argentina para encerrar a 9ª Conferência sobre Política de Drogas, organizada pela associação Intercambios en
Congreso. Ali analisou os fenômenos midiáticos vinculados ao
narcotráfico, à intromissão militar nas favelas cariocas e à situação
carcerária.

Este último tema a motivou, junto com Pedro Viera Abramovay, a editar
um livro chamado Depois do grande encarceramento (Ed. Revan, 2010),
baseado nas colocações de um seminário realizado em 2008 no Rio de
Janeiro, quando de 110.000 presos no Brasil, em 1994, se passou para
500.000 14 anos depois.

Além de socióloga, Vera Malaguti Batista fez seu mestrado em História
Social na Universidade Federal Fluminense e é doutora em Saúde
Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tornou-se
conhecida no ambiente acadêmico do Brasil depois da publicação de uma
pesquisa intitulada O medo na cidade do Rio de Janeiro. Dois tempos de
uma história (Ed. Revan). Ali analisa as diferentes formas de
controlar e disciplinar as massas empobrecidas, comparando o que
ocorria em 1800 e em 1900.

Deste estudo se desprende não apenas a influência dos meios de
comunicação de massa, mas também da Igreja brasileira, que orientou os
medos para consolidar seus interesses, e a utilização do racismo para
intensificar o medo do outro. A autora também assinala a importância
do medo coletivo na construção das sociedades urbanas no Brasil.

Atualmente, Vera Malaguti Batista é professora de criminologia da
Universidade Cândido Mendes e impulsiona uma mudança na legislação
sobre as drogas no Brasil, num momento em que os crimes relacionados
ao narcotráfico estão ficando sempre mais abundantes, como o da juíza
Patrícia Ascioli, morta após condenar policiais que integravam
“esquadrões da morte” no Rio. A desinformação e a contra-informação,
diz, são essenciais para entender o retrocesso e os obstáculos para
implementar políticas de drogas mais humanas e eficazes.

A entrevista é de Emilio Ruchansky e está publicada no jornal
argentino Página/12, 05-09- 2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

O que é o Instituto de Criminologia?

É um instituto de pesquisas. Temos uma revista que se chama Discursos
Sediciosos. Crimes, direito e sociedade, onde trabalhamos temas
relacionados com o direito, mas também com a arte.

Vocês têm alguma relação com o Estado?

Nenhuma, somos totalmente independentes.

Como monitoram a incursão do governo carioca nas favelas?

Temos uma avaliação totalmente negativa de uma ocupação bélica das
favelas. É uma estratégia para fazer uma higienização da cidade para
os grandes negócios transnacionais olímpicos e futebolísticos.

Não é uma “pacificação”, como se propala a partir do governo?

Essa palavra no Brasil tem uma história. Eu investiguei o que
aconteceu em torno de 1830, quando o Brasil se tornou independente e
houve um monte de rebeliões, histórias muito lindas, de indígenas, de
escravos. Fiz um livro sobre a chamada Revolta dos Malês, dos escravos
muçulmanos. “Pacificação” é uma expressão militar. Depois desta época
de revoluções republicanas, no sentido radical do termo, as forças
armadas do império brasileiro “pacificaram”. Isso quer dizer que em
lugares como o Estado do Grande Amazonas, que hoje é Amazonas e Pará,
matou-se metade da população. “Pacificação”, para quem conhece a
história do Brasil, equivale a “dominação de território”.

Ou a extermínio...

Sim. Neste momento a polícia do Rio é a que mais mata no mundo. Este
mês estão “comemorando” que houve apenas 800 mortos no ano; há três
anos se chegou a 1.500. Essa é a “pacificação”, uma espécie de Pax
Romana.

Neste momento o Rio é governado pelo PMDB, partido aliado do PT. Qual
é a sua opinião sobre essa gestão no Rio?

O PMDB já existiu durante a ditadura militar. Está onde estão os
negócios. Agora são centro-esquerda, mas em suas fileiras há gente de
centro-direita, é uma mistura. O governo do Rio tem uma agenda
politicamente correta, mas em segurança as UPPs (Unidades de Polícia
Pacificadora) têm uma camuflagem, que é a guerra contra as drogas,
contra o crime, libertar as comunidades dessas máfias... mas por trás,
se pode ver no mapa das comunidades pacificadoras que todas estão ao
redor do Estádio do Maracanã, na zona Sul (Ipanema, Leblon), porque o
Rio ainda tem favelas em áreas ricas; o belo é que é uma cidade
misturada.

Na verdade mora mais gente nas favelas que no perímetro histórico da
cidade. Isso se vê claramente antes de aterrissar no aeroporto
internacional.

Justamente, o caminho desde o aeroporto, ao redor dos grandes
estádios, nas zonas turísticas, tudo foi “pacificado”. Na semana
passada entraram na Mangueira, que é um bairro lindo. O que fizeram?
Entraram com tanques da Marinha e destruíram casas e pequenos negócios
que são a economia local pobre. O município chama estas incursões de
“choque de ordem”, é a política de higienização e o fim da verdadeira
economia desses bairros.

Há alguns anos, os comerciantes pagavam esquadrões para matar os
meninos pobres que andavam pelo centro. Isso voltou a acontecer?

Não, porque agora a polícia mata oficialmente em nome da pacificação e
da guerra contra o narcotráfico. Além disso, os comerciantes estão
tranquilos porque nas favelas pacificadas a polícia militar está
permanecendo. Se você quiser fazer a festa de batizado de seu filho
tem que pedir permissão à polícia militar, é um controle territorial,
intenso e militarizado.

Qual é a situação do baile funk neste contexto?

Está proibido nas comunidades.

Mas é a música mais popular e não só nas favelas.

E nem sempre é violenta, mas às vezes é. Proibi-la faz parte da
demonização das atividades das favelas. Agora há funk oficial, do
governo. Estão cooptando artistas famosos para “o funk do bem”. Como é
uma manifestação cultural de massas no Rio, é um dos objetivos
militares.

O funk carioca nos anos 1970 impulsionava o orgulho negro e também foi
perseguido pela ditadura.

O próprio samba foi criminalizado no começo do século 20! Se você
ouvir os artistas negros perseguidos, como Bezerra da Silva, já
falecido, vai perceber os mesmos olhares sobre as áreas populares, as
mesmas estratégias, só que muda o leitmotiv; antes era o samba ou a
capoeira e agora é o baile funk. Também há a questão sexual.

O baile funk é muito misógino.

Sim... mas há uma questão de certo puritanismo branco brasileiro.

Além disso, esta música fala do orgulho do usuário de drogas.

É a crônica dessa vida oprimida. O proibidão (variante do baile funk)
inclusive é um desafio às investiduras policiais e à política
proibicionista.

O controle da política militar reconfigurou a venda de drogas?

Houve mudanças na venda miúda, mas todos sabemos que o proibicionismo
não acaba coma venda de drogas. Os países mais rígidos são os que
apresentam maior crescimento na produção: Colômbia ou Peru, antes de
(Ollanta) Humala. O Brasil quadruplicou, segundo o último relatório da
ONU, o tráfico de cocaína para fora do continente, como corredor. No
Brasil temos 40 anos de fracasso coma proibição: aumentou a produção,
a comercialização, o consumo, a corrupção da polícia, a violência, de
uma forma tremenda. Para que serve a política de drogas? Os objetivos
que propõe não existem.

Ao mesmo tempo é discriminatória... Notou-se na última marcha mundial
da maconha no Rio e em São Paulo.

Esta va proibida. Meu marido, que é advogado, apresentou um habeas

corpus e conseguimos realizar a marcha no Rio, mas em São Paulo foi
proibida, e com tiros! Mas agora o Supremo Tribunal Federal disse que
não é apologia e legalizou as marchas. Estamos muito atrasados também
devido ao monopólio dos meios de comunicação; não temos jornais como o
Página/12, que é um contraponto ao La Nación e ao Clarín. Creio que a
Argentina, em todos os assuntos, tem uma agenda política vanguardista;
conjuga movimentos políticos populares com causas como o matrimônio
igualitário ou a despenalização da posse de drogas.

Mas no Rio há mais tolerância em certas zonas: fuma-se baseado na
praia, nas ruas. Por que isso não chega à política?

Rosa del Olmo, que foi uma grande professora venezuelana que morreu há
10 anos e desconstruiu nos anos 1970 essa real política norte-
americana, dizia em relação às drogas que houve uma mistura de
desinformação e contra-informação, que produziu uma saturação que é
funcional à ocultação do problema. Você tem uma espécie de massacre
midiático sobre o problema, mas as pessoas não têm informação sobre
indicadores de saúde ou propostas internacionais sobre o tema.

Como isto impacta sobre os usuários de drogas?

No Brasil, o problema não é tanto a criminalização do consumo, que é
questão de classe média e está naturalmente descriminalizado. Quando
jovem, eu vivia no bairro Santa Teresa e agora moro em Ipanema. Em
Ipanema, se alguém fuma, a polícia não faz nada, mas se vem um
vendedor ambulante fumando um baseado vai preso. Atualmente, no
Supremo Tribunal Federal existe uma discussão muito qualificada, tanto
que no voto da sentença pela marcha o juiz Celso de Melo, que é um
jurista liberal, abriu a discussão para o uso terapêutico da maconha.
Mas a opinião pública é monopolizada pelos jornais, pela Rede Globo e
por um contraponto evangélico que é pior ainda: tem sua rede de rádio
e televisão. Eles obstruem a discussão.

O Supremo não diz nada sobre a despenalização do porte de drogas?

Esse assunto não chegou ao Supremo, tem que ser provocado.

As pessoas vão presas, assim que deveria haver expedientes em trâmite.

Sim, mas o problema principal, onde se sangra literalmente, é no ponto
da venda que envolve os pobres. No Brasil, não existe uma
especificação na quantidade de maconha, por exemplo. É uma questão de
interpretação. Eu investiguei mais de mil processos, quando começou
esta política repressiva, entre 1968 e 1978. Se há dois rapazes com a
mesma quantidade de drogas e um é branco de classe média é induzido a
ir a um psicólogo ou ao médico, mas se é pobre e negro e mora na
favela é considerado traficante. Creio que o problema é a demonização
do tráfico, do comerciante minorista. Então, penso que descriminalizar
apenas a posse vai produzir a mesma violência.

Também existem as internações obrigatórias pelo Código Penal, como na
Argentina.

Existem e são inconstitucionais. Na guerra contra as drogas tudo é
permitido: torturas, assassinatos... Criou-se um senso comum tão forte
que quando a polícia entra nas favelas e mata 10 pessoas, eles dizem:
“São 10 traficantes”. E está tudo bem. Insisto em que o nosso problema
é a comercialização, assim como nos países andinos é a produção. Este
tema vai de par com a discussão pela despenalização, que é totalmente
correta e legítima.

Para além do Supremo, que postura tem o governo federal?

O governo da Dilma tem uma Secretaria de Política de Drogas no
Ministério da Justiça. A titular, Paulina do Carmo Arruda, deu uma
entrevista e disse que o crack, que é uma questão terrível,
estatisticamente em saúde pública é um problema irrisório. Quase a
mataram.

Como avalia neste sentido a experiência de Portugal?

Bom, Portugal descriminalizou o consumo. Há dois anos veio de lá a
antropóloga Manuela Ivonne da Cunha, que fez um estudo sobre as
prisões em Portugal e demonstrou que a descriminalização produziu um
aumento na prisão dos africanos que vendem pequenas quantidades.

Nunca um grande narcotraficante...

O mesmo acontece no Brasil, onde não existe um grande negócio de
drogas, é apenas uma categoria fantasmática. É diferente na Colômbia.
O proibicionismo provocou os cartéis, como a máfia durante a lei seca.

Então, você acredita que se deve legalizar as drogas.

É o que dizia Rosa del Olmo: controlar pela legalidade. Até o crack
pode ser controlado legalmente, como acontece com a heroína na Suíça
ou a maconha na Holanda. O nosso modelo deve ser soberano, nosso, de
acordo com os nossos problemas. Outra coisa que diz Del Olmo é que a
agenda da guerra contra as drogas entrou na América Latina antes que
tivéssemos um problema efetivo, estatístico, de saúde, com o uso de
drogas. Será que a guerra produziu o consumo? Até a ditadura militar,
no Brasil existia uma legislação sanitária sobre drogas ilícitas. Na
ditadura entrou o modelo bélico, policial, norte-americano. E também
se massificou o consumo de cocaína.

Atualmente, o Brasil é um porto de saída de cocaína para a Europa.
Poderíamos considerar que esse é o verdadeiro negócio narco.

Um negócio institucionalizado, caso contrário, não aconteceria. É
gracioso, no Brasil sempre dizem “foi preso um grande traficante” e,
no final das contas, é um menino favelado. A realidade é que no
comércio ilícito as pessoas se brutalizam, não apenas elas, a polícia
também se brutaliza, vão se convertendo em matadores de pobres: eles
falam de “autorresistência”, que é uma metáfora para encobrir uma
execução policial. Além disso, se abriu um precedente perigoso: o uso
das forças armadas em funções policiais no caso da pacificação. E o
governo de Lula aprovou isto por lei... resultado: aumentou em 40% o
número de presos por tráfico entre 2003 e agora. No Rio há grupos que
vendem drogas e não negociaram com a polícia, como o Comando Vermelho,
e todas as UPPs vão para áreas do Comando Vermelho. A polícia fica com
o negócio.

Há alguns anos, Fernando Meirelles e José Padilha, diretores de Cidade
de Deus ou Tropa de Elite, garantiram que o usuário é cúmplice do
narcotráfico, deslocando o foco da discussão que deveria ser a reforma
da lei.

O filme Tropa de Elite é uma apologia de uma tortura e a parte dois é
mais perversa ainda. Creio que eles acentuam a culpabilização do
consumidor; discordo deles nesse ponto. Dilma chamou Pedro Abramovay
para trabalhar na Secretaria de Políticas de Drogas e numa entrevista
disse que além de despenalizar a posse, talvez faltava pensar os
traficantes presos sem armas como vítimas do tráfico. Caiu. Dilma o
tirou. Influíram a opinião pública e o medo.

Conhece a Paulo Teixeira? É um deputado federal que propõe a reforma
da lei de drogas em seu país.

Sim, claro. Sofreu um massacre midiático por suas propostas. Tratam-no
de protetor, de narco. Meu marido diz que o discurso sobre os
traficantes é parecido com o religioso, ao de um herege: “Toma a alma
de nossos jovens”. O traficante aparece como alguém que vai à escola e
não como alguém que traz uma mercadoria que outro quer, como no
capitalismo. Eu gosto do capitalismo, mas bom...

Reconhecer o uso é reconhecer o mercado...

Mas aí entra o discurso que você mencionava antes: “Então, a culpa é
do consumidor que produz o mercado”. E começa a demonização do
usuário. É um círculo vicioso, sem objetividade. A guerra contra as
drogas só serviu para aumentar o poder discrecional da polícia, a
venda de armas e a legitimação da truculência contra os pobres, que é
algo histórico da polícia brasileira. Mas quando se pensa em mudar, as
pessoas entram em pânico: “Vão liberar”. “Como vai ser?” E como é
agora? Sabe quantos desaparecidos temos agora no Rio? 5.000 no ano
passado. Parte reaparece vivo... mas parte desses desaparecidos foram
mortos pela guerra contra as drogas.

Quem os faz desaparecer?

A polícia brutalizada que produziu a guerra.

Quantos aparecem?

Não sei, são dados classificados. Temos um observador que diz que os
números da segurança no Rio são torturados. Além disso, quem dirige a
parte de estatística é um coronel do BOPE (Batalhão de Operações
Policiais Especiais). Na semana passada tivemos um caso chocante no
Rio. A polícia entrou numa favela e disparou contra dois meninos: um
foi ferido, o outro morreu e sumiram com o corpo. Esse menino estava
indo à escola. Nas áreas pobres é uma tragédia este modelo de
segurança máxima da UPP.

Tenho entendido que também há paramilitares.

Sim, as chamamos de “milícias”. São policiais que vivem dentro das
favelas, são esquadrões da morte. No começo, os prefeitos do Rio
disseram que eram uma “autodefesa contra o narcotráfico”, e as
permitiram. Depois se expandiram e agora é polícia... contra polícia,
porque as milícias querem ficar com parte do negócio das drogas. Antes
controlavam a venda de gás, os telefonemas ilegais, internet, a
economia informal. São máfia. As autoridades demoraram para se dar
conta disso, até agora que matam policiais. “Fazem hora extra, é
autodefesa contra o narco”, diziam.

Quem financia as milícias?

Elas se autofinanciam. Obrigam a pagar uma taxa de segurança e
proteção. E não se pode denunciá-las porque são policiais. É o segundo
emprego da polícia! Essa é a mistura louca que estamos vivendo no Rio.
Esta semana também mataram um rapaz no morro. Disseram: “Era
traficante”. A família corre para provar que era trabalhador. Se fosse
traficante estaria tudo bem... esse é o problema.

Para a família também?

Às vezes, sim. Essa é a questão perversa. Claro que há lugares onde o
traficante é alguém da favela que mantém uma boa relação, outros são
de outras favelas e dominam o bairro pela força. O traficante não
existe como categoria fixa. Existe um comércio louco, pulverizado,
violento. Mas a polícia militar brutaliza muito os traficantes.

Têm muitos policiais militares presos?

Sim, muitos. Em geral, por assassinatos, e cada dia mais. Por isso,
nem os Estados Unidos deixam que suas forças armadas se metam em
problemas internos.