sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Os novos soldados do capitalismo





Por Antonio Martins

Na madrugada de terça-feira, durante o assalto ao acampamento do Occupy Wall Street, a polícia de Nova York adotou métodos primitivos. A entrada da imprensa na área da operação polícial foi vetada. Ydanis Rodriguez, um membro do parlamento local, foi agredido e preso, quando tentava encontrar-se com os manifestantes. Houve mais de 200 prisões, uso generalizado de gás pimenta e golpes de cassetete. Uma biblioteca de 5 mil livros foi atirada a um contêiner de lixo.

Mas estas cenas de brutalidade são apenas um aspecto menor da operação. Notícias publicadas ontem (15/11) nos jornais norte-americanos, e análises de mais fôlego na imprensa alternativa, revelam algo mais grave. Articulou-se nas últimas semanas, nos Estados Unidos, um esforço policial coordenado, com objetivo de suprimir um movimento que, embora tenha sempre agido de modo pacífico, passou a ser encarado como uma ameaça ao status quo. A investida contra o Occupy reflete a militarização das forças de segurança dos EUA, cada vez mais voltadas a identificar e combater “inimigos internos” — e equipadas com sofisticado armamento “high-tech” contra eles.

Embora a decisão de desocupar praças caiba, institucionalmente, aos prefeitos, a ação policial está sendo tramada nacionalmente. Mais de 40 chefes de polícia das cidades em que o Occupy montou acampamentos mantiveram reuniões constantes nas últimas semanas, muitas vezes por meio de videoconferências. O objetivo dos encontros foi trocar informações sobre as formas mais eficazes de promover a desocupação. Pretende-se evitar, sobretudo, episódios constrangedores para as forças da ordem, nos quais a resistência pacífica as obriga a recuar.

O planejamento foi especialmente meticuloso contra o Occupy Wall Street, revelou o New York Times. Houve duas semanas de treinamento, mas os policiais envolvidos não foram informados, em nenhum momento, sobre o alvo e as circunstâncias de sua futura ação. Temia-se a mobilização social. Uma tentativa anterior de esvaziar o acampamento, em 14 de outubro, fracassou porque, informados previamente, os manifestantes conseguiram convocar apoio.

O último treinamento foi feito na noite de segunda-feira, 14/11. Mesmo então, segundo o jornal, não se mencionou o Zucotti Park — ou Praça da Liberdade, como foi rebatizada pelos acampados. Na convocação dos policiais falou-se apenas em “um exercício”. A decisão de atacar o Occupy foi comunicada “apenas no último momento”.

Centenas de agentes foram mobilizados. O momento da operação foi escolhido meticulosamente. Sabia-se, depois de semanas de observação, que na madrugada de segunda para terça-feira o acampamento estaria mais vazio. O parque foi isolado por barreiras de policiais armados com escudos. No momento da desocupação, não era permitido aproximar-se a menos de cem metros do local. Os jornalistas que já estavam na área foram retirados: a polícia alegou que desejava proteger sua “segurança”.

Que leva a polícia de um país que se orgulha de respeitar as liberdades civis a se voltar para a repressão contra protestos pacíficos? Num texto publicado também ontem, no site Alternet, Heather “Digby” Parton, uma blogueira norte-americana premiada pela profundidade de suas análises (publicadas costumeiramente em Hullabaloo), procura as respostas. Ela as encontra, principalmente, no que vê como três décadas de militarização das forças policiais norte-americanas. Primeiro, para enfrentar a chamada “guerra contra as drogas”; mais tarde (a partir do 11 de setembro), para a vigilância interna, adotada a pretexto da “guerra contra o terror”.

Desde 1980, reporta “Digby”, a polícia norte-americana tem sido preparada para assumir um número crescente de atividades de caráter mais tipicamente militar. Esta mudança se expressa em aspectos como o armamento e os uniformes policiais. Equipamentos como os fuzis M-16 e veículos blindados tornaram-se comuns – inclusive em unidades instaladas nos campi universitários.

A partir de 2001, esta tendência assumiu nova dimensão. As forças policiais foram envolvidas na vasta operação do governo Bush para ampliar a vigilância sobre os cidadãos. A lei “Patriot Act”, até hoje em vigor, permitiu violar o sigilo de comunicação e rastrear as operações financeiras. Criado na época, o Departamento de Segurança Interior (Department of Homeland Security) passou a coordenar as ações de espionagem interna. Tornou-se, rapidamente, a terceira maior agência estatal dos EUA. Tem orçamento anual de 55 bilhões de dólares. Horas após o ataque contra Occupy Wall Street, o cineasta Michael Moore lançava, pelo Twitter, uma questão ainda não respondida: terá o departamento participado da operação contra os manifestantes?

Ainda mais importante, introduziu o conceito de “terrorismo doméstico”, orientando as forças da ordem não apenas contra os crimes tradicionais — mas contra um leque amplo e impreciso de atividades, que pode facilmente incluir a oposição política. As consequências foram explicitadas em 2006 por Joseph McNamara, ex-chefe de polícia de San Jose. Ele afirmou que o novo cenário havia produzido “uma ênfase em treinamento paramilitar, que, em contraste com a antiga cultura, sobrepõe-se ao treinamento policial — segundo o qual os policiais não deveriam atirar, exceto para se defender”.

Um dos aspectos mais controversos da nova postura foi a utilização costumeira de armas consideradas “menos-letais”. Digby conta que os teasers (que produzem choques elétricos e podem, em certas circunstâncias, matar) são apenas a ponta de iceberg de um vasto arsenal — utilizado, por enquanto, apenas em situações de treinamento. Ele é inteiramente voltado para a dispersão de protestos. Inclui, por exemplo, o ray gun. Posicionado no alto de um veículo e disparado contra uma manifestação, ele produz, nos que estão à frente, a sensação de um “soco invisível”, que provoca intensa dor e impede de continuar caminhando. Sintomaticamente, foi testado, em exercícios na Geórgia, contra soldados vestidos de manifestantes que portavam cartazes com dizeres como “Paz Mundial”, “Amor para todos” e “Paz, guerra não!”.

Ainda mais espantosos são os planos para desenvolver armas como teasers com alcance de cem metros ou, mesmo, aviões não-tripulados (“drones”) capazes de criar grandes “áreas de exclusão” ao bombardeá-las com dardos virtuais que produzem choques elétricos. (Para descrição das armas, Digby baseou-se numa extensa reportagem de Ando Arike, publicada na revista Harper’s e disponível aqui, em versão pdf).

Ao final de seu texto, Digby debate uma questão política crucial. A militarização da polícia foi impulsionada no período imediatamente posterior aos ataques de 11 de Setembro. Na época, o choque provocado pelo terror e a onda de patriotismo que se seguiu garantiram amplo consenso social em favor das medidas de vigilância. O secretário de Defesa (e depois vice-presidente) Dick Cheney chegou a afirmar que “o Estado precisa tirar suas luvas”.

Este tempo passou. Numa época em que o terrorismo deixou de ser uma ameaça visível e crescem, em contrapartida, os protestos contra a desigualdade, o desemprego e o esvaziamento da democracia, qual será a conduta das forças policiais agora orientadas também contra alvos que podem incluir a dissidência civil, e dotadas de novo armamento? Como elas agirão, se os novos movimentos recusarem-se a receber ordens — que julgam ilegítimas — para refrear seus protestos?

As respostas estão em aberto. O que ocorreu em Nova York em 15/11 não é uma fatalidade, mas serve de alerta. Se a construção de uma sociedade mais justa inclui manter e ampliar as liberdades civis, então será preciso conhecer em profundidade, denunciar e reverter esta nova ameaça de desconstrução da democracia.


http://www.outraspalavras.net/2011/11/16/os-soldados-high-tech-do-sistema/

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

DEMOCRACIA SIM, CACETETE NÃO!


DEMOCRACIA SIM, CACETETE NÃO! Manifestamos nossa solidariedade aos estudantes mobilizados da USP, pois acompanhamos com estarrecimento a truculência policial acobertada por um teatro cínico, hipócrita e distorcido que foi e está sendo promovido pelos grandes meios de comunicação. Sabemos que a reivindicação colocada está no bojo da questão central que estrangula a produção do saber e da crítica nas Universidades brasileiras: A ausência de democracia real. A USP, a exemplo de outras Universidades, é conduzida pela “pequena política” que visa assegurar a reprodução da condição dependente do Brasil, acoplando a produção intelectual e científica aos interesses da tríade “empresa-universidade-estado” comandada pelos países centrais. Sabemos que a superação da “pequena política” passa pela radicalização da democracia. Mais do que o poder de eleger, queremos o poder de depor. Mais do que ampliar a representação, queremos o poder de definir diretamente os rumos da política. Assim, caminharemos na construção da Universidade Necessária reivindicada pelo mestre Darcy Ribeiro. Uma Universidade que dialogue efetivamente com as necessidades e expectativas do povo brasileiro. Fazemos essa reflexão, pois é ampliando nossos horizontes que conseguiremos avançar sobre o estado atual de coisas. A mesma polícia que reprime hoje os estudantes da USP é a que cotidianamente estrangula o povo nas periferias, ocupações urbanas e demais espaços de contradição entre os interesses do capital e os da vida. Prestamos nosso apoio, entendendo que o passo dado atrás na democracia pela tríade “Alkmin-Rodas-polícia” poderá impulsionar estudantes, técnicos e professores a dar dois passos à frente na radicalização da democracia na USP. O que, sem dúvida alguma, gera repercussão por todo Brasil. Saudações de luta! Brigadas Populares São Paulo, 10 de novembro

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Malditos comunistas!



José Roberto Torero (Carta Maior)

Acabaram os jogos Pan-Americanos e mais uma vez ficamos atrás de Cuba. Mais uma vez! Isso não está certo. Este paiseco tem apenas 11 milhões de habitantes e o nosso tem 192 milhões. Só a Grande São Paulo já tem mais gente que aquela ilhota. Quanto à renda per capita, também ganhamos fácil. A deles foi de reles 4,1 mil dólares em 2006. A nossa: 10,2 mil dólares. Pô, se possuímos 17 vezes mais gente do que eles e nossa renda per capita é quase 2,5 vezes maior, temos que ganhar 40 vezes mais medalhas que aqueles comunas. Mas neste Pan eles ganharam 58 ouros e nós, apenas 48. Alguma coisa está errada. Como eles podem ganhar do Brasil, o gigante da América do Sul, a sétima maior economia do mundo? Já sei! É tudo para fazer propaganda comunista. A prova é que, em 1959, ano da revolução, Cuba ficou apenas em oitavo lugar no Pan de Chicago. Doze anos depois, no Pan de Cáli, já estava em segundo lugar. Daí em diante, nunca caiu para terceiro. Nos jogos de Havana, em 1991, conseguiu até ficar em primeiro lugar, ganhando dos EUA por 140 a 130 medalhas de ouro. Sim, é para fazer propaganda do comunismo que os cubanos se esforçam tanto no esporte. E também na saúde (eles têm um médico para cada 169 habitantes, enquanto o Brasil tem um para cada 600) e na educação (a taxa de alfabetização deles é de 99,8%). Além disso, o Índice de Desenvolvimento Humano de Cuba é 0,863, enquanto o nosso é 0,813. Tudo para fazer propaganda comunista! Aliás, eles têm nada menos do que trinta mil propagandistas vermelhos na cultura esportiva. Ou professores de educação física, se você preferir. Isso significa um professor para cada 348 habitantes. E logo haverá mais ainda, porque eles têm oito escolas de Educação Física de nível médio, uma faculdade de cultura física em cada província, um instituto de cultura física a nível nacional e uma Escola Internacional de Educação Física e Desportiva. Há tantos e tão bons técnicos em Cuba que o país chega a exportar alguns. Nas Olimpíadas de Sydney, por um exemplo, havia 36 treinadores cubanos em equipes estrangeiras. E existem tantos professores porque a Educação Física é matéria obrigatória dentro do sistema nacional de educação. Até aí, tudo bem. No Brasil a Educação Física também é obrigatória. A questão é que, se um cubano mostrar certo gosto pelo esporte, pode, gratuitamente, ir para uma das 87 Academias Desportivas Estaduais, para uma das 17 Escolas de Iniciação Desportiva Escolar (EIDE), para uma das 14 Escolas Superiores de Aperfeiçoamento Atlético (ESPA), e, finalmente, para um dos três Centros de Alto Rendimento. Ou seja, se você tiver aptidão para o esporte, vai poder se desenvolver com total apoio do estado. Pô, assim não vale! Do jeito que eles fazem, com escolas para todos, professores especializados e centros de excelência gratuitos, é moleza. Quero ver é eles ganharem tantas medalhas sendo como nós, um país onde a Educação Física nas escolas é, muitas vezes, apenas o horário do futebol para os meninos e da queimada para as meninas. Quero ver é eles ganharem medalhas com apoio estatal pífio, sem massificar o esporte, sem um aperfeiçoamento crescente e planejado. Quero ver é fazer que nem a gente, no improviso. Aí, duvido que eles ganhem de nós. Duvido! Malditos comunistas...

José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.