quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Um passo adiante em um caminho tortuoso: O governo brasileiro reconhece o Estado Palestino

Um passo adiante em um caminho tortuoso: O governo brasileiro reconhece o Estado Palestino

Pedro Otoni [1]

O Estado Brasileiro se juntou a mais de uma centena de países que reconhecem a existência e a soberania do Estado Palestino. No dia 1° de dezembro de 2010, em resposta à solicitação do Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, reconheceu o Estado Palestino nas fronteiras anteriores a guerra de anexação empreendida por Israel em junho 1967 (Guerra dos Seis Dias), territórios históricos do povo palestino. O ato foi acompanhado pelo governo argentino que no dia 6 de dezembro também pronunciou-se no mesmo sentido. O governo uruguaio declarou que também reconhecerá no próximo ano o Estado Palestino.

Já não era sem tempo este ato, uma vez que grande parte dos países da Ásia, África e Europa Oriental reconheceram a Declaração de Independência Palestina em 1988, em Argel. A demora não obscurece a profunda relevância do ato para o povo palestino e para a construção de uma nova configuração geopolítica mundial edificada sob o princípio da autodeterminação dos povos. A reação conservadora do governo israelense e estadunidense não se fez esperar, criticam a posição brasileira e argentina, sob a alegação que a medida não contribuirá para a resolução do conflito na região. Lamentos de governos que sabotam há décadas as negociações de paz, levando ao genocídio de milhares de palestinos, desde a Intifada de 2000 foram mais de 6 mil palestinos mortos pelo exército israelense; massacre executado sob o olhar indiferente das potências ocidentais.

O reconhecimento do Estado Palestino é um direito das populações dos territórios de Gaza e da Cisjordânia e uma conquista da resistência palestina, que se manteve firme diante dos ataques da máquina de guerra sionista. A paz somente é possível com o reconhecimento total da soberania palestina pela comunidade internacional, não havendo solução sem um Estado Palestino independente; uma realidade histórica e política que é apenas negada por aqueles que lucram com a guerra suja contra os povos não-alinhados às potências imperiais.

Na análise do historiador israelense Illan Pappé, os Estados Unidos já transferiram para Israel (em doações e empréstimos), desde 1949, algo em torno de 110 bilhões de dólares. Somente nas últimas duas décadas Washington repassou à Israel 5,5 bilhões dólares para compra de equipamentos militares, evidentemente estes materiais bélicos foram adquiridos no próprio complexo industrial-militar estadunidense. A solução do conflito nunca esteve na agenda dos Estados Unidos e Israel, o massacre nos territórios palestinos alimenta a lucrativa economia militar destes países e enriquece uns poucos aglomerados armamentistas, os “senhores da guerra”.

A medida do governo brasileiro contribui para a consolidação da soberania palestina, mas deve ser seguida de outras medidas que, na prática, viabilize a autonomia da Autoridade Nacional Palestina. A colaboração política e econômica é fundamental para um povo que encontra-se sitiado em estreitas porções de seu próprio território. Os 20 milhões de dólares doados desde 2007 ainda são demonstrações simbólicas de apoio tendo em vista a profunda miséria em que o povo palestino está submetido. A cooperação econômica direta, bem como o uso da influência diplomática brasileira no sentido de romper o bloqueio militar, econômico e humanitário israelense à Palestina são tarefas de primeira grandeza.

O passo adiante do governo brasileiro é importante, porém ainda insuficiente para a resolução dos grandes desafios enfrentados pela Autoridade e pelo povo palestino. É preciso agir de forma firme em relação aos desmandos das potências imperialistas, é do interesse imediato das nações dependentes o desmonte da arquitetura geopolítica que sustenta a hegemonia estadunidense, hegemonia esta que assume suas feições mais brutais na guerra sem fim contra os povos do Oriente Médio e Ásia central. O Brasil deve reafirmar sua soberania se posicionando fora do condomínio de poder estadunidense e procurando se relacionar de forma efetiva e solidária com as nações do sul político.

O governo brasileiro deve demonstrar a mesma iniciativa em relação á soberania do Haiti, retirando o efetivo militar que encontra-se neste país desde 2004, por ocasião do sequestro do presidente democraticamente eleito Jean Bertrand Aristide pelos fuzileiros estadunidenses. A solidariedade ao povo haitiano deve ser mantida, porém é imoral e completamente desnecessária a utilização das forças armadas brasileiras no controle social do povo haitiano, como denuncia as organizações sociais daquele país. O governo do Brasil e alguns setores sociais e entidades representativas argumentam que a retirada das tropas brasileiras daquele país implicaria na desorganização de todo o tecido social, e que o Haiti entraria no caos completo. Este tipo de posição preconceituosa é típica daqueles que desconhecem ou desejam acobertar as verdadeiras causas da pobreza e da profunda instabilidade da nação haitiana. O povo haitiano foi vítima das mais cruéis ações de rapinagem imperialista da história das Américas; hoje se encontram em uma situação de vulnerabilidade social e instabilidade política em razão do saque de seus recursos humanos e naturais, e da sabotagem de suas instituições políticas por parte dos governos francês e estadunidense. O que leva alguém a pensar que a nação que primeiro aboliu a escravidão (1794) e que libertou do julgo colonial francês ainda em 1804 poderia necessitar de algum tipo de tutela?

O pecado imperdoável do Haiti foi seu prematuro e justo desejo de soberania, pecado que nunca foi esquecido pelos agentes do imperialismo. Não há razões para acreditar que o Haiti necessite da tutela brasileira, o problema central haitiano não é produzido por sua população, mas sim pela ação do capital estrangeiro monopolista em associação com as diminutas elites dominantes daquele país, que lucram com a reprodução da miséria e da dependência. O Brasil não pode continuar sendo o fiador da sabotagem contra a soberania da nação haitiana.

Da mesma forma é fundamental que o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, se comprometa com a não extradição do militante político italiano Cesare Battisti, que está encarcerado no Brasil há três anos em razão da solicitação do governo da Itália. Naquele país, Battisti foi condenado à revelia por supostos crimes políticos cometidos durante a luta armada na década de 70. A concessão de asilo político a Battisti é constitucionalmente legítima e politicamente honrável para um governo e um país que deseja afirmar a sua soberania.

O Brasil não deve legitimar a perseguição política de militantes de esquerda, é fundamental a libertação de Cesare Battisti e a concessão imediata de asilo político nos termos da Constituição Brasileira. O Governo Lula anunciou que tomará uma decisão ainda no mês de dezembro, é fundamental que a liberdade e asilo sejam garantidos a Battisti.

A coerência nas relações internacionais brasileiras é uma exigência de um país que deseja se manifestar de forma soberana perante a comunidade internacional. O reconhecimento do Estado Palestino é uma importante manifestação de apoio aos povos em resistência, na mesma medida é fundamental garantir que em outras situações o Estado Brasileiro seja fiel ao princípio da autodeterminação dos povos. É importante apoiar a posição brasileira de não reconhecimento do governo fantoche de Honduras, estabelecido a partir de um golpe de Estado orquestrado pela a embaixada yanque, que levou a destituição do governo constitucional de Manuel Zelaya. No entanto é inadmissível sustentar a tutela militar brasileira no Haiti e a prisão de perseguidos políticos. Defender e respeitar a soberania dos povos é a única via para que o Brasil se torne verdadeiramente soberano.

[1] O Autor é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - Brasil, Especialista em Economia Política pela Universidade Federal do Espírito Santo, Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais e militante das Brigadas Populares.

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