terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Serra acesa ou de favelado pra favelado!


Entrando à noite em um aglomerado qualquer um, dos que acostumados com a divulgação das notícias da mídia de massa, sente o tal aperto, o tal medo. Quem, porém já nasceu na favela, na periferia sabe muito bem o quanto de sensacionalismo e de mentiras são veiculadas nesse cotidiano de estereótipos e falta de compromisso com a informação. De favelado pra favelado, a história é mais embaixo, a chapa é quente! As crianças brincam em meio aos carros da polícia, as pessoas tem que continuar a viver!

A polícia “ocupa” o morro como se dissesse: “vamos dar a esse povo o que merece, está na hora de mostrar a eles quem manda!” O mais interessante é saber que é necessário, urgente romper com a lógica da notícia forjada, é imprescindível construir uma comunicação em que quem diga é quem está lá. Diria uma companheira moradora do Aglomerado da Serra: “Não dá pra deixar que só eles mostrem o que se passa aqui! Nós temos que divulgar do nosso jeito!” Ou respondendo à uma pergunta(“e a polícia ainda está aí?”) da favelada aqui que quase se esqueceu de como é a vida na periferia: “ A polícia não sai mais daqui não sô!” Me recordo de ocupações militares parecidas eternas no mundo, exemplifico somente uma aqui pertinho de nós: Haiti. As “missões de paz”, o poeta ou manifestante daquele momento(tempos antigos hein?!) diria: “paz sem voz não é paz, é medo” E a voz dos desterrados tem que ser dita!

O Aglomerado da Serra tem sua dinâmica, ontem eram quase quatrocentas pessoas na praça do Cardoso( se meus olhos tem a dimensão do cálculo!), e em sua maioria, maioria mesmo eles eram crianças, adolescentes e jovens. Sabiam exatamente porque estavam ali, até porque os adultos se juntavam no meio (um montante no meio da praça mesmo!) e oravam com um pastor de uma das Igrejas de lá, até o momento em que permaneci era essa fé que reinava, com todo o meu respeito de não mais tão fiel. Entretanto os jovens permaneciam em volta, contando o que se passou e preparados pra enfrentar a polícia se fosse o caso. Sentada do lado de um deles ouço o que diz um deles a um amigo: “Eles(os quase dez carros de polícia que consegui contar no meio da escura rua acima da praça!) estão ali em cima, se dessem já tenho algo pra atacar!” Era uma garrafa de vidro jogada no meio da grama abaixo dos nossos pés, eu sorri pensando nessa possibilidade. É mesmo a forma de dizer do jovem, sempre fazendo!

De favelado pra favelado é sempre bom essa circulação; essa quebra das fronteiras, não há nada de absurdo em saber o que se passa de verdade lá dentro, e enquanto não se sabe, só subindo a ladeira, porque o povo sempre é desterrado de tudo, numa situação dessas a mídia não diz o que condiz, os ônibus não circulam dentro da comunidade, as escolas fecham. Ou seja, o Estado Democrático de Direito apenas oferece um tipo de serviço público: A REPRESSÃO!. Gostaria de não ser pessimista, mas pode ser que estejamos longe de conseguir sair das teorias geneticistas do criminoso, pode ser que Lombroso(arrepio na espinha!) ainda tenha muito lugar no meio da teoria sobre a pena, o crime. Enquanto o menino estiver disposto a jogar a garrafa, estarei com ele! Enquanto eu tiver fôlego pra subir a serra, e a gente disponibilidade de se organizar pra contrapor podemos pensar numa outra forma de se relacionar socialmente, creio que o caminho é esse.

Laila, militante da Frente de Juventude das Brigadas Populares

2 comentários:

  1. O Estado Democrático de direito se mostra....pela repressão...para ancorar a falência de bancos e empresas... e quando um aglomerado, uma ocupação, trabalhadores mostram sua força de indignação e se organizam, vai para o enfrentamento, fortalece a luta contra as injustiças causadas por que detém o poder da proteção quase que divina, quase, pois a verdade ainda emana da luta do povo.
    Saudações combativas.

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  2. Discutimos esse triste episódio e seus desdobramentos ontem na reunião do Grupo de Amigos. O resumo da "ópera" é o seguinte: enquanto tolerarmos por parte do Estado e seus representantes atos violentos justificados das mais diversas formas como: era negro, é malandro, tá vendendo droga, é vagabundo, tava de roupa curta, tava na rua a noite etc eles continuarão matando as pessoas que se a eles tivessemos dado o direito de decidir quem vive e quem morre. Tomaram o lugar de Deus e não nos avisaram. O triste é que se houver punição, serão dos mais fracos "na cadeia alimentar" mas bem sabemos que o comportamento violento, arbitrário e ilegal da polícia e fruto de treinamento e incentivo dos altos comandos, do Judiciário e do Ministério Público.

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